sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

UMA REFLEXÃO SOBRE O FILME ÊXODO - Deuses e Reis

Eu coloquei minha opinião sobre o filme Noé quando fui assistir no cinema, e expus meu desanimo ao constatar que além de ser completamente contrário ao relato bíblico era mal produzido cinematograficamente! Não posso dizer o mesmo para o filme Êxodo. Ele tem distorções já esperadas da história real da saída do povo do Egito e do próprio Moisés, o que não irei entrar em detalhes aqui, pois imagino que o crente que conhece o mínimo de Bíblia é capaz de perceber os erros. Mas em termos de produção cinematográfica, eu particularmente gostei e valeu o ingresso apenas nesse sentido, o que não é verdade com relação ao filme Noé, quando expus minha opinião.
 Todavia, vale algumas considerações gerais com relação a algo que muitos cristãos não tem percebido com clareza, a filosofia humanista por trás da produção desse filme! Normalmente os crentes ficam atentos apenas as distorções bíblicas, o que é de suma importância, mas poucos avaliam a ideologia por trás do intento dos produtores ímpios desses filmes!
Segue algumas breves considerações sem ter aqui a intenção de contar o filme, o que deixaria furiosos comigo aqueles que desejam assistir! É importante que cada assista e tire suas próprias conclusões. Aqui vãos as minhas conclusões:
1. Eu diria que de acordo com o filme, Deus é um delírio mental de Moisés ou uma reprodução divina do que ele gostaria de ser, e não verdadeiramente o Eu sou o que sou de Êxodo 3.14! É mais semelhante ao Deus do livro de Richard Dawkins “Deus um delírio” do que o Deus vivo!
2. O cetismo de Moisés é muito semelhante ao cetismo dos ateus modernos, com suas críticas a tudo que se relaciona a Deus. Na realidade, em alguns argumentos utilizados no filme, revelam claramente e sutilmente, o neo ateísmo do século XXI, o que seria impossível existir em Moisés ou até mesmo no Faraó, quanto a acreditar em uma divindade.
3. O filme mistura ateísmo com misticismo moderno, para colocar na mente das pessoas que o que a Bíblia narra é igual a tudo que é narrado pelas religiões e pelos mitos, causando descredito em seus relatos e agradando gregos e troianos, ou ateus e místicos!
4. A ideologia é de mostrar que aquilo que os povos antigos entendiam como sendo ações sobrenaturais e divinas, eram na verdade fenômenos naturais que a ciência da época não podia explicar e por "ignorância" esses povos, incluindo o hebreu, atribuíam as suas divindades! No século XXI com a ciência avançada já podemos explicar muitas coisas "racionalmente" e chegará um tempo que a "divina ciência” explicará tudo que hoje é atribuído a existência de Deus! Então, meu irmão entenda que "crer é também pensar"!
Considerações Finais
 Se você deseja assistir apenas por entretenimento, para ver as guerras e um pouco de representação cinematográfica da época do Império Egípcio, vale a pena ir ao cinema! Todavia, se ingenuamente você acha que o mundo tem abraçado o Evangelho e Hollywood está preocupado com sua fé, fica em casa!
A grande estratégia de Satanás no século XXI é colocar na mente de muitos crentes imaturos na fé e ignorantes biblicamente, que a cultura e a sociedade tem abraçado a nossa fé, ao ouvir música gospel, convidar cantores evangélicos para programa de televisão, produzir filmes baseado em narrativa bíblicas, escrever livros que falam que Jesus é o maior psicólogo do mundo e assim por diante! Com essa estratégia de colocar o homem no centro, a fé de muitos tem esfriado e a apostasia aumentado! Tenha discernimento bíblico e teológico para assistir, ouvir, ler o que lhe é oferecido pelo mundo anti Deus!
Espero ter contribuído para sua avaliação do filme!

Reverendo Márcio Willian Chaveiro

sábado, 20 de dezembro de 2014

A LENDA DO PAPAI NOEL E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O EDUCADOR CRISTÃO



Estamos nos aproximando do Natal[1], data que as pessoas se sensibilizam mais com o próximo, doam brinquedos, dinheiro para os pedintes nas ruas e para aqueles que pedem de porta em porta. Muitos passam o ano inteiro sem olhar com misericórdia para com o próximo, mas no Natal ele se transforma em um Papai Noel itinerante, doando presentes e sorrisos para todos!
Os comércios ficam lotados, as lojas fecham mais tarde, a correria para comprar os presentes, o chester, as frutas, e os refrigerantes, é algo alucinante e estressante! Para que tudo isso? Quase não se fala sobre o aniversariante nas ruas, na mídia, nas conversas cotidianas. Não é alvo de reflexão e meditação o sentido real do nascimento de Cristo, da sua vinda ao mundo!
Muitos crentes não param para pensar, para refletir, para ensinar seus filhos sobre o plano de amor, de redenção operado pelo Cristo, enviado pelo Pai (Jo 3.16)! Só podemos entender a essência dessa luz, do amor redentor de Cristo, se contemplarmos as trevas que invadiam nossa alma, nosso coração e nos escravizavam (Ef 2. 1-3)! E ao contemplarmos essa verdade, o glorificaremos em todo o tempo, não somente no natal, como fazem os religiosos!
            O Papai Noel existiu ou é uma lenda? Segundo o site Wikipédia[2] ele existiu com outro nome, São Nicolau de Taumaturgo no século IV na Turquia, era um Arcebispo Católico que é caracterizado por sua generosidade para com as pessoas que necessitavam. Ele colocava saco de moedas nas chaminés das casas de pessoas que precisavam. É considerado santo pela igreja católica por ser atribuído a ele muitos milagres.
Como surgiu esse modelo moderno de Papai Noel? No século XIX a Coca-Cola usou essa imagem de São Nicolau para produzir um personagem que pudesse divulgar a marca dela, daí criaram um velhinho de roupas vermelhas, lembre-se que São Nicolau era Arcebispo e, portanto usava roupas vermelhas, e inventaram para fins comerciais que esse velhinho de barba branca morava no Polo Norte com a Mamãe Noel e com oito elfos e nove renas voadoras. O Papai Noel da Coca-Cola avalia a conduta das crianças que foram obedientes aos seus pais e entregava presentes para elas como recompensa por suas obediências. Essa transformação da história de São Nicolau em um personagem natalino ocorreu na Alemanha e repassou para o mundo inteiro.
Fica evidente que a figura do Papai Noel é puramente comercial. De fato, existiu um homem religioso e caridoso como São Nicolau, mas nada, além disso. Para o catolicismo ele é um santo, mas infelizmente tem sido idolatrado por muitos evangélicos na prática! Quando estes ensinam seus filhos que existe Papai Noel e que se forem obedientes receberão presentes, estão idolatrando uma figura comercial e religiosa. Deixam de educar seus filhos a amarem o Senhor de todo o coração como determina Deuteronômio 6.4-25.
Os filhos desses evangélicos são ensinados a serem consumistas e materialistas, e a serem obedientes por causa de recompensas materiais e não por que é mandamento do Senhor (Êxodo 20.12). A recompensa de ser obediente aos pais procede do Senhor e não do Papai Noel! A recompensa é o próprio SENHOR! Esses ensinos comerciais são extremamente maléficos para a vida espiritual de uma “criança evangélica”. Acreditar nessa figura comercial em substituição do verdadeiro aniversariante, o Senhor Jesus Cristo, é pecaminoso!
Apesar de saber que a data do nascimento de Cristo é impossível de determinar com absoluta certeza, todavia, entendo que o natal é uma grande oportunidade didática de ensinar nossos filhos o real sentido e proposito redentor para a vinda de Cristo ao mundo!

Se você ama o Senhor de todo o seu coração desejará que seu filho o ame também, não é?! É incoerente ensina-lo mentiras comerciais, fantasias, recompensas transitórias, quando pode ensina-lo sobre as recompensas eternas, sobre um Rei que vive e governa tudo e todos! Que você nesse Natal possa aproveitar a oportunidade para instruir o seu filho no Caminho Verdadeiro e Vivo, que leva ao Pai (João 14.6). Contudo, não somente nesse período do ano, mas em todo o tempo, ao deitar, ao levantar, coloque dentro da cabeça dele essas verdades de vida eterna (Dt 6)!
Faça como esse belo hino por título de “A História de Cristo” do hinário Novo Cântico afirma:
Conta-me a história de Cristo,
Grava-a no meu coração!
Conta-me a história inaudita!
De graça, paz e perdão.
Conta como ele, encarnado,
Veio no mundo morar;
Aos pecadores indignos,
De Deus o amor revelar...
A Ele a glória eternamente! Amém.
Reverendo Márcio Willian






[1] O artigo foi escrito dia 20 de dezembro de 2014

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

O CÉU E O INFERNO, MITO OU REALIDADE?

Para muitos crer na existência do céu ou do inferno soa como mito ou paganismo. Sem dúvida essa realidade apresentada pela Bíblia foi distorcida durante a história da igreja por muitos hereges, o que criou uma grande massa de críticos com relação a essa verdade. Na Idade Média o clero utilizou da ideia de inferno e purgatório[1] para causar medo nas pessoas e explorar o povo, levantando recursos para a Igreja. Atualmente, os hereges religiosos do meio evangélico utilizam de forma semelhante o método do medo para arrancar dinheiro dos fiéis, mas não com a pregação da ira de Deus eterna sobre o pecador, porque no século XXI essa mensagem não causaria pavor nas pessoas como causou na Idade Média, todavia, se utilizam da ideia de maldição nessa vida, tirando recursos financeiros e causando doenças! As pessoas motivadas por buscar alivio ou não correr o risco de serem “amaldiçoadas” fazem tudo que esses hereges exigem como forma de livramento dos males desta vida!
Contudo, o que a Bíblia fala sobre céu e inferno? Começarei a expor sobre o inferno, ainda que muitas pessoas não acreditem na sua existência, alguns destes incrédulos que não se arrependerem de seus pecados terão que enfrentar eternamente essa triste realidade (Jo 3. 36). O inferno será uma interminável perturbação de vida, os condenado serão atormentados de dia e de noite pelos séculos dos séculos (Ap 20.10),  com dores e sofrimento no corpo e na alma, e castigos como agonias da consciência, angustia, desespero, choro e ranger de dentes.[2] Todavia, é importante explicar que a Bíblia utiliza de símbolos de sofrimento, como fogo, trevas, ranger de dentes, para expressar como será a ira de Deus sobre os ímpios, mas é importante dizer que a realidade dessa punição eterna será maior que os símbolos utilizados nas Escrituras! A Bíblia fala de punições proporcionais ou graus de punição (Mt 11. 22-24; Lc 12. 47-48; 20.16-18), nem todos os ímpios experimentarão o sofrimento de um Judas Escariotes ou Hitler![3] Hendriksen escreveu que o inferno é inferno porque Deus estará lá com toda a sua ira, o inferno não é ausência de Deus, porque Ele é Rei até mesmo do Inferno, mas o inferno em última analise é o banimento absoluto do ímpio da comunhão de amor e graça com o Senhor: O inferno é inferno porque Deus está lá, Deus em toda a sua ira (Hb 12.29; Ap 6.16). O céu é céu porque Deus está lá, Deus em todo o seu amor. É desta presença de amor que o ímpio é banido para sempre.[4] Você precisa entender que mesmo sendo castigados eternamente no inferno por Deus, os ímpios continuarão a pecar e blasfemar contra o Senhor! Não haverá arrependimento no inferno, mas sim, rebeldia eterna, logo, o castigo eterno será justo para uma transgressão eterna! Outra verdade que é preciso esclarecer é que o Diabo não será como Hades da mitologia grega, rei do submundo ou no caso dele, rei do inferno! Essa visão que o Diabo estará com um garfão torturando as pessoas é fruto da influência mitológica grega na teologia católica. A Bíblia diz que ele, com a besta e o falso profeta serão lançados no inferno para serem torturados pela ira de Deus (Ap 20. 10): O diabo, o sedutor deles, foi lançado para dentro do lago de fogo e enxofre, onde já se encontram não só a besta como também o falso profeta; e serão atormentados de dia e de noite, pelos séculos dos séculos. E quanto aos ímpios que não se arrependerem é  a mesma verdade (Ap 21. 8): Quanto, porém, aos covardes, aos incrédulos, aos abomináveis, aos assassinos, aos impuros, aos feiticeiros, aos idólatras e a todos os mentirosos, a parte que lhes cabe será no lago que arde com fogo e enxofre, a saber, a segunda morte.
E o céu, como será? A igreja moderna perdeu o anseio de estar na presença do Senhor devido ao seu amor ao mundo, ao dinheiro e ao poder! Quando falamos em céu, pensamos na ideia principal dessa verdade, que é estar na presença do Deus triuno para o adorar! Contudo, o céu é um lugar temporário, até que Cristo venha para consumar todas as coisas e ressuscite os crentes e transforme os que estiverem vivos (1 Co 15. 50-58). No entanto, os crentes neotestamentários ansiavam por estar na presença de Cristo no céu, porque sabiam que ao morrerem temporariamente iriam espiritualmente, até a ressurreição, para a presença do Cordeiro (Fl 1.21; Ap 6. 9-11). Essa felicidade temporária no céu, aguardando novos céus e nova terra, é incompleta, porém, real! O céu é a habitação de Deus (Dt 26.15; Is 63.15), para onde vão todos os santos que partem antes daquele Dia! É inútil tentar desenvolver qualquer ideia sobre como é o local, onde fica, temos que nos limitar ao que a Escritura afirma e entender seu sentido principal, que é o consolo, paz e alegria preparatória para a consumação e plenitude de toda a alegria que podemos desfrutar, que estar em plena comunhão em perfeição e santidade diante do SENHOR!
O céu é uma realidade tanto quanto o inferno, queira você crer ou não! O gozo eterno com Cristo é real, mas também a agonia eterna sem Cristo é igualmente real!  Se partimos para a presença de Cristo e do Pai que está no trono, antes da ressurreição, cantaremos com muita alegria o cânticos dos remidos (Ap 7. 10): ...Ao nosso Deus, que se assenta no trono, e ao Cordeiro, pertence a salvação.
                Reverendo Márcio Willian Chaveiro




[1] A ideia de Purgatório é sem dúvida pagã, sendo fruto de doutrinas fundamentadas em livros apócrifos e não nas Escrituras, o que não se aplica ao inferno.
[2] FERREIRA & MYATT, Franklin Ferreira & Alan Myatt, 2012, p. 1079
[3] FERREIRA & MYATT, Franklin Ferreira & Alan Myatt, passim, p. 1078
[4] Ibid. p. 1079

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

TEOLOGIA CRISTÃ E A TERRA DE NINGUÉM!


Em toda a história da teologia cristã a filosofia esteve presente, porque o cristianismo cresceu em um mundo helênico, dominado pela visão filosófica grega, embora com governo romano. Logo, os teólogos que sucederam os apóstolos utilizaram muito do raciocínio filosófico para elaborarem a teologia e até hoje teólogos se utilizam da lógica aristotélica e das teorias dos filósofos contemporâneos para elaborarem seus tratados teológicos. Um estudo um pouco mais acurado revelará que Paulo, João, que foram apóstolos de Cristo, citaram filósofos ou pensamentos filosóficos como ponto de contato para apresentar o Evangelho de Cristo.
Durante a história da igreja cristã muitos teólogos como Agostinho, Tomás de Aquino, Bultmann, e outros utilizaram a Filosofia na construção da teologia. No século XXI não é diferente essa convivência da filosofia com a teologia cristã.[1] Muito do que é defendido nas igrejas são resultantes de uma influência filosófica direta ou indiretamente. Existe uma velada oposição de filósofos e pensadores ateístas como Richard Dawkins com relação a teologia, muito desta oposição é fertilizado pelo terrorismo islâmico, os escândalos no meio da Igreja Católica com Pedofilia e a Teologia da Prosperidade no meio Evangélico! E por outro lado, existe uma hostilidade da cristandade, na sua maior parte, em relação a importância da filosofia e a contribuição que esta pode dar ao desenvolvimento teológico.
Pretendo dentro dessa panorâmica histórica de relação de amor e ódio entre esses dois campos, abordar pontos positivos e negativos. Buscando uma sincera reflexão sobre o valor de cada área para a humanidade e o respeito que deve existir de ambos os lados.           
1.      Metodologia
É importante iniciar com definições de cada área, por isso começarei com a teologia. O que é teologia? São duas palavras gregas usadas que traduzidas fica assim:  “theós”[2] que é Deus e a segunda é “logia[3]que é estudo, tratado. Logo, a teologia é um estudo ou tratado sobre Deus, é colocar Deus no nível do discurso humano. Mas o que seria teologia cristã? É a teologia desenvolvida dentro da igreja cristã, iniciando com os apóstolos e percorrendo a Igreja Cristã Primitiva, a Igreja Católica Romana e posteriormente também o Protestantismo, a partir do século XVI. Como afirmou Paul Tillich: A teologia se move para trás e para diante entre dois pólos: a verdade eterna de seu fundamento e a situação temporal na qual a verdade eterna deve ser recebida.[4]
Toda teologia partirá do pressuposto da existência de Deus, mas o ponto variável dentro do desenvolvimento teológico, é se Deus se revela ou não. Para alguns teólogos cristãos, Deus existe e pode ser conhecido através da revelação que faz da criação e principalmente por meio da Bíblia. Para outros, Deus existe em outra dimensão, distante da nossa realidade e portanto, não pode ter se revelado através da Bíblia, para este ponto de vista, a Bíblia seria apenas o resultado da religião judaico cristã. Para os últimos, Deus e a religião, servem como meios de produzir moral e ética, proporcionando uma boa influência na sociedade. Por exemplo, para o teólogo Bultmann, que representa bem o liberalismo clássico, defendia que era necessário desmitologizar a Bíblia, devido ao seu pressuposto de que a mesma é fruto de crenças mitológicas judaico-cristã.[5] Logo, percebemos que a teologia tem várias vertentes, e o presente por finalidade não tem como abordarmos com propriedade todos, mas apenas mencionar de forma geral.
Mas o que seria filosofia[6]? Também é composta de duas palavras gregas, sendo a primeira “filos” que é amigo e a segunda “sofia” que é sabedoria, logo o significado etimológico é “amigo da sabedoria ou amor a sabedoria”[7]. Paulo Ghiraldello Jr. Em seu livro “A Aventura da Filosofia”[8] afirma que a filosofia é uma curiosidade um tanto esquisita porque ela se baseia em perguntas que normalmente ninguém faz, a não ser os filósofos. Para Sproul a filosofia nasceu da antiga busca da realidade última, a realidade que transcende o que é próximo e comum e define e explica os elementos da experiência diária.[9] A filosofia pode ser entendida como consistindo de estudos dos problemas fundamentais da existência humana, do conhecimento, da verdade, dos valores morais e da mente.[10] É um campo aberto que não pertence a ninguém por direito de propriedade, mas está aberto a desenvolver-se a partir de reflexões e discussões racionais sobre a vida e seu sentido por qualquer um que tenha coragem de andar por essa terra sem proprietário!
A filosofia é o produto do pensar humano. No sentido mais amplo e menos técnico, filosofia é a concepção da vida e do mundo, e nesse sentido sempre houve filosofia, é um campo aberto e sem proprietário. Em um sentido mais técnico, a filosofia começou na Grécia no século VI a. C[11], é lá que ela se desenvolve, se sistematiza, se organiza como campo de conhecimento.[12] Foi na filosofia grega, que o conhecimento filosófico é sistematizado, organizado racionalmente, tendo suas ligações e influencias com os escritos bíblicos e com teólogos como Tomás de Aquino e Agostinho.
2.      Discussão
2.1 O Início da Relação da Filosofia com a Teologia
            O cristianismo surgiu em um contexto greco-romano onde a política era romana, mas a cultura era profundamente helênica. A fala grega, conhecido como grego Koiné[13], facilitou bastante a divulgação do Evangelho, o que levou os escritores neo testamentários, a utilizar a língua grega para alcançar os “gentios” que pertenciam as igrejas espalhadas por todo o Império. Com um público constituído de judeus e gregos convertidos ao cristianismo, fez-se necessário a utilização de pontos de contato culturais, dentre eles, o uso de linguagem filosófica por parte dos apóstolos, principalmente Paulo e João.
Nos escritos do apóstolo Paulo no Novo Testamento, encontramos algumas citações filosóficas que demonstram um certo conhecimento do apóstolo em relação a Filosofia Grega. Ele utilizava esse conhecimento para evangelizar os gentios, tendo em vista que o Império Romano vivia sob influência grega. O primeiro texto que menciono é o episódio de Paulo discutindo com os epicureus e estoicos em Atenas[14], narrado por Lucas, em Atos dos Apóstolos 17. 16-34. Paulo é convidado pelos filósofos atenienses a expor seu pensamento cristão no areópago e durante sua exposição ele para diante de um altar ao deus desconhecido através dessa representação, inicia sua exposição sobre Cristo e a ressurreição, fato que era absurdo para a visão filosóficas daqueles gregos ainda envolvidos pela mitologia. No verso 28, Paulo cita um filosofo: pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos, como alguns dos vossos poetas têm dito: Porque dele também somos geração. O consenso entre os estudiosos bíblicos é que Paulo citou o filosofo Epimenêdes, quando menciona o altar ao deus desconhecido, como um fato ocorrido no passado em Atenas, que levou a construção do altar ao deus desconhecido.[15] Mas ao dizer “somos sua geração”, citou um trecho do pensador chamado Arato, poeta originário de Soli, uma cidade pertencente à própria província da Cilicia, onde o apóstolo nascera, e da qual Tarso era uma cidade importante. Arato viveu cerca de 300 a.C. e o que Paulo citou é uma linha do poema de Arato chamado “Fenômenos”, feito para Zeus: De Zeus começa; jamais deixemos de amar seu nome. Com ele, com Zeus, estão cheios...E todos, em tudo, precisamos de ajuda de Zeus, pois também somos sua geração.”[16] Paulo utiliza de poesia pagã grega, fruto de uma visão filosófica ainda influenciada pela mitologia, para aplicar uma parte dessa poesia a Zeus, a figura de Cristo.
            Outra passagem utilizada por Paulo contendo um pensamento filosófico grego para exortar a igreja de Cristo, encontra-se em Tito 1.12: Foi mesmo, dentre eles, um seu profeta, que disse: Cretenses, sempre mentirosos, feras terríveis, ventre preguiçosos. Aqui a maioria dos comentaristas respeitados na teologia ortodoxa, atribui essa citação a Epimenêdes, que era de Creta, para os quais Paulo escrevia.[17] Existem outras menções a filosofia que esse apóstolo usou em suas cartas, como 1 Coríntios 1. 22: Porque tanto os judeus pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria. Ou Filipenses 4.8: ...se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento. Nessa última citação, Paulo utiliza de um termo grego, traduzido por “virtude” usado unicamente nesse momento, porque os leitores originais da carta eram gregos e por isso Paulo, sabendo da busca grega por “virtude”[18], utiliza desse termo para mostrar a eles que “se alguma virtude existir na filosofia ou na cultura, deveria ocupar a mente deles”. [19] Vou limitar a destacar esses exemplos aqui.
            A Filosofia grega fez uma transição da mitologia para o Logos. O mito seria a explicação da passagem do mundo espiritual para o mundo material, é nessa relação, entre a tragédia e o mito, que os pré-socráticos analisaram a questão da psique e do princípio “arché”.[20] Tudo era inicialmente na Grécia explicado a partir de concepções mitológicas, que era a forma de interpretar a realidade a partir da existência de deuses, os quais davam sentido ao mundo. Todavia, com o desenvolvimento da filosofia, inicia uma passagem do mito para o Logos, na tentativa de explicar a realidade, que é uma forma carregada de racionalidade[21]. Quando lemos o Evangelho de João capítulo 1 versos 1-3 temos claramente a utilização proposital de termos gregos pelo apóstolo: No princípio era o Verbo, e o verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as cousas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez.[22] Aqui João escreve para seus leitores gregos que o princípio (ἀρχῇ) de todas as coisas foi causada pelo Verbo (λόγος) que não é uma energia cósmica impessoal, mas Cristo, que é Deus encarnado (Jo 1.14). Para João o “logos” tem uma identidade, não é apenas uma razão, é Cristo encarnado! Existem outras passagens que João indiretamente cita algum aspecto filosófico para desenvolver seus argumentos teológicos, em outros para combater o início do gnosticismo no meio da igreja, como a sua primeira carta, mas não irei entrar em detalhes desses aspectos, porque a intenção é  apenas mostrar que os apóstolos utilizaram de termos usados por filósofos gregos, como forma de contato para evangelizar ou para instruir com o Evangelho de Cristo os que agora faziam parte da igreja, e antes pertenceram a filosofia metafisica grega.
2.2 Período Patriístico e a Filosofia (100-451 d. C) 
            O termo “patrístico” vem da palavra latina pater, “pai”, e designa tanto o período dos patriarcas ou pais da igreja quanto as ideias características que se desenvolveram nesse período. Esse período vai do período da conclusão dos escritos do Novo Testamento (c. 100) até a reunião decisiva do Concilio da Calcedônia (451).[23] Os pais da igreja são aqueles que viveram no período apostólico e continuaram ensinando a igreja posteriormente a morte dos apóstolos. Os que se destacam são: Barnabé (companheiro de Paulo); Hermas (possivelmente o citado em Romanos 16.14); Clemente de Roma (possivelmente este de Filipenses 4.3); Policarpo (bispo de Esmirna); Papias (bispo de Hierápolis).
De todos citados, menciono para este estudo Justino Mártir (c. 100 –c. 165).  Foi talvez o maior dos apologetas do século 2, que se dedicava a defender o cristianismo diante das críticas intensas de fontes pagãs. Ele procurou associar a fé cristã com a filosofia grega. Sua doutrina chamava-se de logos spermatikos (palavra que produz sementes) lhe levou a afirmar que Deus havia preparado o caminho da revelação final de Cristo por meio de indícios dessa verdade na filosofia clássica.[24]
O mais conhecido desse período é Agostinho, sem dúvida. Nasceu no norte da África em 345 d.C., sua mãe foi uma mulher de vida cristã muito profunda. Ele, porém, não lhe seguiu o exemplo na mocidade. Aos trinta anos era um mestre brilhante de retórica e oratória em Cartago. Ele abraçava a filosofia grega de Platão antes da sua conversão. Teve, antes da sua conversão, uma vida imoral, irreligiosa, com padrões vergonhosos de acordo com a época. Ao ouvir a pregação de Ambrósio, nobre bispo, abalou-o profundamente. Ao ser convertido, tempos depois, tornou-se bispo de Hipona, onde pastoreou por 35 anos, lá escreveu vários livros sobre vários aspectos da vida cristã.[25] Agostinho combateu todas as formas antigas de ceticismo[26], procurando estabelecer um fundamento para a verdade. Ele buscou a verdade na mente ou na alma, tornando-se o pai da introspecção psicológica. Ficou conhecido como o “Dr. da Graça”.[27] Desenvolveu sua própria teologia e filosofia e escreveu o famoso livro: “Cidade de Deus”. Além deste escreveu também: Um Manual sobre a Fé, a Esperança e a Caridade.[28] Agostinho buscava a verdade em Deus, embora muito influenciado por Platão no seu raciocínio de que a conhecer verdadeiramente é estar em contato com o inteligível. Agostinho buscou apresentar razões lógicas para crer na existência de Deus[29], obviamente, ele em certo momento do seu argumento filosófico sobre a existência de Deus, teria que divorciar de muitos pressupostos filosóficos daqueles que tanto admirou. Todavia, sua forma de construção de argumentação segue Platão e Aristóteles!
Esse período para a teologia cristã foi extremamente influenciado pela filosofia grega. Principalmente com relação as duas naturezas de Cristo, amplamente discutida entre a cristandade ocidental e oriental. Em termos práticos, isso significa que muitos dos termos centrais da discussão cristológica da igreja primitiva são gregos, muitas vezes com um histórico de uso dentro da tradição filosófica grega. O que nos mostra que nesse período existiu uma relação de amor entre Teologia e Filosofia!
2.3 Idade Média e os Desenvolvimentos Teológicos e Filosóficos (500-1500 d. C)
Quero primeiramente esclarecer que o termo “Idade Média” foi criado pelos renascentistas do século XVI, para expressar o período de estagnação que separou os dois períodos, a Idade Média e a Renascença.[30] O Escolasticismo fez parte desse período (1200-1500), é comumente instrumento de zombaria entre os teólogos e renascentistas, mas é importante esclarecer que existem exageros sobre esse pensamento. Eles são sempre apresentados como pessoas que se entregavam a discussões inúteis, como quantos anjos seria possível colocar na cabeça de um alfinete! Essa discussão inútil que é atribuída a eles, na verdade nunca aconteceu, embora tenham existido muitas discussões inúteis teologicamente e filosoficamente. Erasmo de Roterdã estudou na Universidade de Paris, onde o Escolasticismo era bastante influente. Ele afirmou que não gostava das discussões inúteis e fúteis do escolasticismo, tais como: Deus poderia ter se tornado um pepino em vez de ser um humano? Deus podia desfazer o passado, fazendo uma prostituta se tornar uma virgem? ...[31] A fama tinha base em algumas questões reais! O Escolasticismo contribuiu para a discussão sobre fé e razão. Pode ser definido como um movimento medieval que enfatizou a justificação racional da fé religiosa e apresentação sistemática dessas crenças. Ajudou na organização da teologia, com definições precisas e detalhadas.
O principal teólogo desse período é sem dúvida alguma Tomás de Aquino (1225-1274). Era um dominicano, foi um dos maiores teólogos do catolicismo romano e escolásticos. Sua obra foi uma síntese de Aristóteles e Agostinho, uma tentativa de conciliar doutrina bíblica com filosofia grega. Sua obra esta dívida em três livros: 1 – Deus e Suas Obras; 2 – O Homem como Imagem de Deus; 3 – Cristo e os Meios de Graça. Sua tradução para o inglês (de 1922) compreende 22 volumes.
Comentando sobre a teologia defendida por Aquino e a influência da filosofia aristotélica, afirmou Colin Brown:
        A originalidade de Aquino, porém, não se acha tanto em quaisquer introspecções dele próprio como na sua capacidade de produzir uma síntese brilhante do pensamento prévio. Seu pensamento é uma liga formada pelo ensino da Bíblia, as tradições da igreja e a filosofia, especialmente a de Aristóteles, que tinha sido recentemente redescoberta...Como tal, possui muita força. Mas também tem as fraquezas de uma liga. Pois há momentos em que os elementos constituintes não se misturam, e quando um ou outro deles revela não ser suficientemente durável.[32]
Esse aspecto é importante, pois a filosofia e a teologia andam juntas até certo ponto, mas essa mistura em dado momento revelará fraquezas de ambas as partes, por partirem de pressupostos diferentes, suas construções são fundamentadas em alicerces diferentes, uma é a fé e a outra a razão e a experiência! A relação, portanto, é sempre instável!
2.4 O Iluminismo e sua Influência na Teologia
O próximo passo, a partir da Renascença, é a ênfase no poder da “Razão Humana”, o que levou a humanidade ao iluminismo. Nesse ponto, a razão humana toma o lugar de “juiz da verdade”.  Pai do Iluminismo, para muitos, foi o filosofo René Descartes (1596-1650), introduzindo a dúvida como princípio de raciocínio, o processo de duvidar levaria a investigação e a certeza
E a religião para o iluminismo, como era visto? Eles entendiam que a religião tinha um papel moral e social apenas, não deveria se intrometer em questões de metafisica ou defesa de dogmas que a mente humana não pudesse perscrutar. Entendiam que o estudo apropriado do homem é o próprio homem. [33]
Essa perspectiva iluminista da religião e autonomia da razão, segundo Francis Schaeffer remonta ao tempo de Tomás de Aquino, que com sua teologia natural abriu espaço para o que foi defendido no iluminismo e continua em nosso tempo pós-moderno:
Na concepção de Tomás de Aquino, a vontade humana estava caída, mas o intelecto não estava. Esta visão incompleta da queda narrada na Bíblia implicou grandes dificuldades subsequentes. A partir disto, com o passar do tempo, o intelecto humano começou a ser visto como autônomo. Esta esfera de crescente autonomia gerado por Tomás de Aquino expressava-se de várias formas. Um dos resultados, por exemplo, manifestou-se pelo desenvolvimento da teologia natural. De acordo com esta visão, a teologia natural é uma teologia que poderia ser praticada independentemente das Escrituras. Tomás de Aquino certamente tinha a expectativa de um a unidade e defenderia uma correlação entre a teologia natural e as Escrituras. Mas o ponto mais importante que se seguiu foi o fato de que um campo realmente autônomo foi criado.[34]
O filosofo Imanuel Kant entendia que a religião autêntica, inclusive o cristianismo só seria valido se vivesse de acordo com deveres racionalmente discerníveis. Essa seria a religião moderna, que influenciou o iluminismo e os liberais clássicos.[35] Essa visão de Kant e depois de Georg Willhelm Friedrich Hegel (1770-1831)[36] tornava a fé cristã completamente oposta a ciência e a razão. Criou-se uma dicotomia extremada entre fé e razão.
Para entendermos o que Kant defendia é preciso considerar alguns fatores intelectuais em sua visão e construção do pensamento. Historicamente, os filósofos de 400 a.C. até 1.400 da nossa era, compreendiam que todo o conhecimento filosófico se baseava na metafisica. Para esses pensadores antigos, como Sócrates, Platão, as coisas possuíam uma existência autônoma, independente da consciência humana, portanto, inatingível para o conhecimento. O grande filosofo Aristóteles defendia que Deus é o ser amovível, a causa primária de tudo que existe, ele não atua com providência no mundo[37], logo não pode ser conhecido pelo homem. Já Agostinho e Tomás de Aquino, acreditavam que Deus se revelava através da Bíblia e por isso podia ser conhecido. Essa visão metafisica, conforme Kant entendia, impedia o verdadeiro conhecimento a coragem de construir um verdadeiro pensamento. Com a renascença, o homem teve coragem de navegar “mar aberto” para construir seu próprio pensamento sem “as amarras da metafisica” antiga.
 Imannuel Kant foi grandemente impactado pelas descobertas cientificas de Isaac Newton (1642-1727). Kant entendeu que esse desenvolvimento científico seria símbolo do conhecimento verdadeiro que a ciência tinha trazido para o mundo, e que a filosofia se utilizaria dessas técnicas para construir o verdadeiro conhecimento sobre a realidade, o mundo fenomenal.
Na realidade Kant fez uma síntese dos pensamentos dos filósofos ingleses como David Hume (1711-1776); Francis Bacon (1561-1626); John Locke (1632-1704); George Berkeley (1658-1753), chamados de “empiristas”. E o pensamento conhecido como “inatismo” de René Descartes (1596-1650). O porto seguro para essa concepção kantiana é construído sobre aquilo que recebemos por nossa sensibilidade do mundo fenomenal e sistematizada pela estrutura inata em nossa constituição humana.
Segundo essa visão de Kant, o homem precisa das impressões sensíveis, mas intuições precisam ser sistematizadas, organizadas pelas estruturas formais, presentes no tempo e no espaço, descobertas e desenvolvidas pela ciência. O homem utilizando sua própria estrutura lógica e as estruturas formais descobertas pela ciência, o método correto ou as técnicas certas, poderá chegar ao verdadeiro conhecimento e interpretação das impressões dadas pela realidade. Nós construímos um verdadeiro conhecimento a partir de um “processamento” das impressões em nosso ser, e estas impressões procedem de um contemplar da realidade que nos cerca. Quando observamos a realidade (mundo fenomenal) e sistematizamos esse contemplar com a estrutura inata, aumentamos o andaime da nossa construção racional, edificando um andar por vez! Esse raciocínio de foi desenvolvido por Kant em seu livro “A Crítica da razão Pura”:
Não há dúvida de que todo nosso conhecimento começa com a experiência; do contrário, por meio do que a faculdade de conhecimento deveria ser despertada para o exercício senão através de objetos que toquem nossos sentidos e em parte produzem por si próprios representações, em parte põem em movimento a atividade de nosso entendimento para compara-las, conectá-las ou separa-las e, desse modo, assimilar a matéria bruta das impressões sensíveis a um conhecimento dos objetos que se chama experiência?...[38]
Outro fator importante desse pensamento kantiano, é que a “razão” é a faculdade das ideias. É nela que o homem naturalmente tem pensamentos inatos sobre: Deus, alma e mundo. Essas ideias da razão, para Kant, são “ideias pensadas”, todavia, “não conhecidas ou processadas pela estrutura inata”. Para Kant, era legitimo pensar sobre essas “ideias”, mas jamais afirmar ter um real “conhecimento delas”. Porque? Porque elas não fazem parte da realidade (mundo fenomenal) e sim do mundo das ideias (mundo numenal), logo Deus não pode ser conhecido porque não se revela de forma concreta como parte da realidade (mundo fenomenal).
Como Kant influenciou a teologia liberal clássica?
O primeiro ponto que abordo é a beleza intelectual das argumentações de Kant em um momento que o ceticismo crescia muito no mundo e naturalmente atacava a teologia cristã. Parecia uma boa resposta logica para os críticos as argumentações de Kant sobre as interpretações dos fenômenos e as ideias pensadas do mundo numenal! Nesse sentido, seria próprio racionalmente entender que não podemos conhecer a Deus e ter ideias corretas ou dogmáticas sobre Ele, pelo fato que tudo que sabemos a respeito de sua pessoa é partir de ideias pensadas, e não processadas, sistematizadas pelo entendimento. Logo, a Escritura não é a revelação especial de Deus para o homem, não existe milagre, sobrenatural, porque tudo isso é fruto de “ideias dos escritores da Bíblia”, da religião judaica, do cristianismo, e não de uma revelação objetiva, segura, palpável, que pode ser sentida e sistematizada pelo entendimento inato do homem!
Kant é considerado como um fundador teórico do liberalismo teológico, em razão desses teólogos terem edificado sua teologia diretamente sobre o pensamento de Kant.[39] Mesmo na neo-ortodoxia vemos influência de Kant em Barth (1886-1968), quando este defende que Deus é totalmente outro, ou quando a Escritura só é Palavra de Deus quando revela Cristo a você, condicionando a inspiração da Escritura a experiência. No liberalismo clássico temos a distinção que Bultmann (1884-1976) fez entre o “Jesus Histórico”  e o “Jesus da fé”, que seria na linguagem kantiana o “Jesus Fenomenal” e o “Jesus Noumenal”.[40]
2.4 O Neo ateísmo e sua Incompatibilidade Filosófica com a Teologia
Os atentados terroristas são uma das formas que os ateus têm justificado todo tipo de desgraça ao cristianismo, a religião e a crença na existência de Deus, criou-se um campo fértil para o ateísmo. A proposta de um dos “novos ateus” mais proeminentes na atualidade é Richard Dawkins, com o seu mais recente livro: Deus – um delírio. Ele argumenta no início dessa obra que o mundo seria muito melhor sem o cristianismo e a religião:
Imagine, junto com John Lennon, um mundo sem religião. Imagine o mundo sem ataques suicidas, sem o 11/9, sem o 7/7 londrino, sem as Cruzadas, sem caça às bruxas, sem a Conspiração da Pólvora, sem a partição da índia, sem as guerras entre israelenses e palestinos, sem massacres sérvios/croatas/muçulmanos, sem a perseguição de judeus como "assassinos de Cristo", sem os "problemas" da Irlanda do Norte, sem "assassinatos em nome da honra", sem evangélicos televisivos de terno brilhante e cabelo bufante tirando dinheiro dos ingênuos ("Deus quer que você doe até doer"). Imagine o mundo sem o Talibã para explodir estátuas antigas, sem decapitações públicas de blasfemos, sem o açoite da pele feminina pelo crime de ter se mostrado em um centímetro. Aliás, meu colega Desmond Morris me informa que a magnífica canção de John Lennon às vezes é executada nos Estados Unidos com a frase "nenhuma religião” expurgada. Uma versão chegou à afronta de trocá-la por "e uma religião".[41]
Além do campo aberto causado pela derrubada das torres e outros terrorismos em nome da religião em várias partes do mundo, temos o escândalo no meio evangélico causado por um número cada vez maior de pastores da Teologia da Prosperidade, que tem escandalizado as pessoas e afastado do Evangelho prometendo riqueza instantânea! Os curandeiros evangélicos fazem parte desse processo de incredulidade mundial. Somado a tudo isso, a Igreja Católica Romana tem sido constantemente denunciada por pedofilia praticada por muitos padres e bispos, o que contribui ainda mais para o descrédito da religião e da existência de Deus.
Portanto, não existe qualquer possibilidade de harmonia entre os pensamentos filosóficos ateístas com a teologia cristã! Por uma simples razão, eles não creem na existência de Deus, logo, não existe teologia! Se os erros do cristianismo passados e presentes servem como argumento para tirar toda credibilidade intelectual e religiosa da teologia cristã ou do próprio cristianismo, então, posso utilizar o mesmo argumento para o ateísmo, pois quantos governos ateus e sistemas políticos se levantaram e assassinaram milhares de religiosos, principalmente cristãos? Não posso afirmar que todo ateu é assassino porque muitos foram, mas da mesma forma não podem dizer que todo o cristianismo é composto de pedófilos, gananciosos ou extremistas!
Considerações Finais
A teologia cristã e a filosofia sempre tiveram uma relação de intimidade, que as vezes chegou abeira do divórcio! Contudo, a reconciliação sempre ocorreu, produzindo, ao meu ver, benefícios para ambos os lados. A união conjugal dessas duas áreas é realmente complementar, um lidera e outro auxilia! A dificuldade é saber qual é o líder e qual é a auxiliadora idônea? Por vezes, existiram inversões de valores, de funções, e por isso desarmonia na relação. Obviamente, o teólogo irá dizer que a teologia é o esposo, e o filosofo dirá que a filosofia é o esposo. Mas prefiro entender que nesse caso, a função será determinada sempre pelo lado que tiver maiores fatores influentes.
Temos pensadores que são considerados em ambos os lados, como C. S. Lewis, que abandonou o ateísmo para abraçar o cristianismo, sem contudo, deixar de utilizar seu lado filosófico. Ou Max Scheler, um filosofo alemão que não deixou de utilizar da teologia em seus argumentos, ao ponto do Papa João Paulo II afirma que a ética cristã deveria ser baseada em seus escritos.[42]Temos vários outros nomes, como o filosofo luterano Edmund Husserl[43], Soren Kierkegaard que escreveu sobre a teologia e a igreja mesmo sendo um filosofo demonstrou a grande influência teológica em seus pensamentos[44], e por último cito o teólogo Francis Schaeffer que se caracterizava também, como C. S. Lewis, como um grande pensador da sua época, que naturalmente pode ser considerado um filosofo e teólogo[45].
Por outro lado, a filosofia ateísta ou positivista não tem ligações diretas com a teologia. Apesar que os ateus vão alegar que não tem nada contra o cristianismo ou a religião, na prática sabemos que não é assim. A teologia, na perspectiva puramente ateísta, é desprezada completamente, porque é inaceitável a ideia metafisica da existência de Deus, tornando um diálogo ou relação impossível. Entendo, que ambos pensamentos devem ser respeitados e nunca impostos por nenhum lado, todavia, a ridicularização da fé é uma forma de imposição intelectual! Para os ateus a fé, a religião, é um auto consolação, uma ilusão que consola, não uma verdade subjetiva que se testemunha objetivamente![46]
Atualmente existe uma relação amistosa da Filosofia com a Teologia, fora do campo do ateísmo. Muito do raciocínio da Teologia Sistemática é construído com bases filosóficas. A relação entre fé e razão é intrínseca e inevitável dentro do pressuposto da existência de Deus. De um lado, temos a fé que se apoia no transcendente e subjetivamente experimentável, e por outro, a razão que deseja perscrutar, examinar e apalpar.[47]
Concluo afirmando que a teologia precisa da filosofia para construir o conhecimento, para desenvolver raciocínios lógicos em torno de estudo bíblico e da experiência humana. Por outro lado, a filosofia também precisa da teologia para desenvolver-se sob princípios morais, éticos, que devem regular suas construções logicas. Uma precisa da outra, e a relação é inevitável, porque todos pensam sobre o sentido da vida, a essência da alma, as transformações, a razão da morte, do mundo e de Deus! Todo mundo tem um pouco de filosofo e teólogo, a profundidade e desenvolvimento, dependerá do alicerce que é construído esse conhecimento!

Referências

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TILLICH, Paulo Tillich, Teologia Sistemática, Edições Paulinas, 1967




[1] Posso afirmar que indiretamente muitos teólogos defendem a visão de Kant dos dois mundos, que promoveu mudança de perspectiva da revelação das Escrituras em teólogos liberais como Bultmann. Este é citado em várias obras, como por exemplo a própria apostila de Hermenêutica da Universidade Claretiano, se baseia nos ensinos de Bultimann que foi, como afirmei influenciado por Kant (fonte: Apostila – Hermenêutica Bíblica Contextualizada – Gonzalo M.  de La Torre Guerrero e Juan Antônio Acha, 2013)
[2] θεóς
[3] λóγος
[4] TILLICH, Paulo Tillich, Teologia Sistemática, Edições Paulinas, 1967, p.11
[5] BULTMANN, Rudolf Bultmann – Demitologização  Coletâna de Ensaios – Editora Sinodal – 1999, pp.6-7
[6] Φιλοσοφία
[7] http://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofia
[8] GHIRALDELLO, Paulo Ghiraldelli Jr., A Aventura da Filosofia de Parmênides a Nietzsche, Manole, 2010
[9] SPROUL, Filosofia para Iniciantes, Vida Nova, São Paulo, 2005, p.15
[10] http://www.significados.com.br/filosofia/
[11] http://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofia
[12] BORNHEIM, G.A. Filósofos pré-socráticos, 14 Editora São Paulo, Cultrix, 2007, p. 07
[13] http://pt.wikipedia.org/wiki/Koin%C3%A9
[14] O discurso de Paulo foi interessante para os  epicureus e estoicos, porque para os epicureus, que foi fundado por Epicuro (341-270 a.C), para eles os deuses não existiam, ou eram tão remotos do mundo que não exerciam influencia alguma nos seus negócios. Por isso, achavam desnecessário buscar a Deus e não tinha medo do seu julgamento. Já para os estoicos, fundada por Zenão (340-265 a.C), ressaltavam a importância da razão como princípio inerente da estruturação do universo, e mediante a qual os homens devem viver. O conceito de divindade era panteísta. Se o discurso de Paulo for lido nessa perspectiva, veremos que tinha pleno conhecimento dessas linhas filosóficas, e por isso confronta com o Evangelho cada uma delas. (MARSHALL, I. Howard Marshall, Atos – Introdução e Comentário, Mundo Cristão, São Paulo, 1982, p. 267)
[15] http://pt.wikipedia.org/wiki/Epim%C3%AAnides
[16] CHAMPLIN, Russel Norman Champlin, O Novo Testamento Interpretado, Milenium, São Paulo, 1988, p. 377
[17] CALVINO, João Calvino, Pastorais, Edições Paracletos, São Paulo, 1998, pp.317-318
[18] τις ἀρετη
[19] JONES, Martyh Lloyd Jones, A Vida de Paz, Editora PES, 1993, p. 213
[20] SILVA, Marcelo Donizete da Silva, Filosofia e Filosofia da Educação, Apostila não publicada, Centro Universitário Claretiano, p. 20
[21] http://educacao.umcomo.com.br/articulo/a-origem-da-filosofia-passagem-do-mito-ao-logos-3689.html
[22] Texto Grego: Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος, καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν θεόν, καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος; verso 2 οὗτος ἦν ἐν ἀρχῇ πρὸς τὸν θεόν; verso 3 πάντα δι᾽ αὐτοῦ ἐγένετο, καὶ χωρὶς αὐτοῦ ἐγένετο οὐδὲ ἕν. ὃ γέγονεν
[23] MCGRATH, Alister E. Mcgranth, Teologia Histórica, Cultura Cristã, São Paulo, 2007, p. 38
[24] MCGRATH, 2007, pp. 38-39
[25] NICHOLS, Robert Hastings Nichols,  História da Igreja Cristã , Editora Cultura Cristã, 1997,pp. 55-56
[26] Ceticismo: os seus defensores buscavam a verdade, mas negavam a possibilidade de uma conclusão absoluta. Buscavam a verdade sem nunca a encontrar, o texto de 2 Timóteo 3.7 refletia bem o sentimento e desejo deles. O dogma era inimigo deles.
[27] SPROUL, 2002, pp.58-59
[28] Para esclarecimentos com relação a Agostinho e a Igreja Católica Romana, o teólogo citado viveu 345-430 d.C., e a igreja romana começou a se organizar como temos hoje só a partir do ano 400. Foi no século V que a iniciou-se a pretensão petrina, ou papal. O primeiro Papa foi Leão I (440-461). Logo, Agostinho não viveu até o papado existir (fonte: Robert Hastings Nichols,1997 -  pp. 58-59)
[29] http://www.paraclitus.com.br/2013/veritas/filosofia/a-filosofia-de-santo-agostinho/
[30] MCGRATH, 2007,  p. 118
[31] MCGRATH, 2007, passim, p. 121
[32] BROWN, Colin Brown, Filosofia e Fé Cristã, Vida Nova, São Paulo, 1983, p.20
[33] OLSON, Roger Olson, História da Teologia Cristã, Editora Vida, 1999, p.555
[34] SCHAEFFER, Francis Schaeffer, A Morte da Razão, Editora Cultura Cristã, 2002, p.23
[35] OLSON, 1999, p.556
[36] Georg Willhelm Friedrich Hegel se opôs a Kant, ele enfatizou Deus na filosofia, mas sem exigir a crença de que a fé pudesse ser meio interpretativo da ciência e que fosse correto uma fé “cega” em uma revelação sobrenatural, como a Escritura. Hegel defendia que a imanência de Deus, porém, confundia a humanidade com Deus. Sem o mundo, Deus não seria Deus. Deus e o mundo pertencem um ao outro e crescem juntos. A humanidade e a cultura humana são Deus chegando à autoconsciência, explica Olson (Roger Olson, História da Teologia Cristã, p.556)
[37] http://www.pucsp.br/pos/cesima/schenberg/alunos/paulosergio/teologia.htm
[38] FIGUEIREDO, Vinicius de Figueiredo, Kant & a Crítica da Razão Pura, ZAHAR, 2013, p.57
[39] OLSON, 1999, passim.  p.286
[40] OLSON, 1999, passim.  p. 288
[41] DAWKINS, Richard Dawkins, Deus um delírio, Editora Companhia das Letras, pp.18-19
[42] http://pt.wikipedia.org/wiki/Max_Scheler
[43] http://pt.wikipedia.org/wiki/Edmund_Husserl
[44] http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%B8ren_Kierkegaard
[45] http://pt.wikipedia.org/wiki/Francis_Schaeffer
[46] http://ateus.net/artigos/ateismo/10-mitos-e-10-verdades-sobre-o-ateismo/
[47] http://edumguimaraes.blogspot.com.br/2013/01/relacao-entre-teologia-e-filosofia-fe-e.html