Não
é tarefa dura lermos sobre os teólogos do passado e avaliarmos suas condutas,
convicções, ousadia ou covardia diante dos desafios culturais de seu tempo. O
difícil é avaliarmos a nossa conduta, a nossa coragem ou covardia em nosso
tempo! De nada adiantará estudarmos Teologia se esta não for útil para nos
levar a discernir a nossa época, se não nos ajudar a dar respostas as
indagações existenciais da nossa alma e levar a nossa igreja a maturidade
cristã! Teologia deve ser algo que nos prepara para viver e morrer!
O
nosso tempo é caracterizado por uma cultura do sentimento, do prazer pessoal,
do politicamente correto, que é a pós-modernidade. O próprio nome já revela
incoerência, “pós-modernidade”, como algo pode ser posterior a
modernidade e ser vivido no presente? Contudo, não irei entrar no mérito
semântico da questão, porque pouco importa em relação às reais dificuldades que
este pensamento humanista representa para a igreja do século XXI.
Em
seu livro Tempos Pós-modernos, Gene apresenta uma pesquisa feita nos EUA, que
revelam o sentimento e o pensamento do nosso tempo em relação a verdade
absoluta:
É
difícil dar testemunho da verdade a pessoas que acreditam que a verdade é
relativa (Jesus funciona pra você; os cristais funcionam para ela). É duro
clamar o perdão de pecados para pessoas que acreditam que, visto a moralidade
ser relativa, elas não têm pecados a serem perdoados.
Segundo
uma pesquisa recente[1], 66 por cento dos
americanos creem que “não existe o que se possa chamar de verdade absoluta”.
Entre os jovens, a porcentagem é ainda mais alta: na faixa dos 18 aos 25 anos,
72 por cento das pessoas não acreditam que existam absolutos.[2]
Se não existe verdade
absoluta, não existe Deus! E se não existe Deus, não existe padrão de certo e
errado! Existem duas alternativas: 1. Deus
não existe e estamos soltos, livres para pensar e estabelecer nossos critérios,
nossos padrões,: 2. Ou Deus existe, mas está totalmente
ausente da sua criação e por isso não se relaciona, não governa, não estabelece
absolutos a serem seguidos e obedecidos!
A ausência de
absoluto deu a sociedade liberdade de sentir, pensar, projetar “livremente”, tendo
um comportamento totalmente relativizado. Quando existia o iluminismo o homem
navegava em mar aberto confiado no frágil barco da “razão”, seu barquinho
naufragou na primeira e segunda guerra mundial. Agora o homem navega em mar
aberto na “canoa” dos sentimentos, do subjetivo. Só que o homem não descobriu
ainda que navegou pouquíssimo e o pouco que navegou já entrou em processo de
afundar totalmente nos mares da incerteza, do relativismo, do barato e
transitório existencialmente!
Os evangélicos não
estão fora desse quadro. Cada vez mais a teologia torna-se relativa,
pragmática, materialista, ansiosa por prazer momentâneo, e antropocêntrica,
atendendo as expectativas mundanas do homem! Os evangélicos já entraram na
canoa da pós modernidade há muito tempo!
A igreja do século
XXI está envolvida pelos efeitos da cultura pós-moderna. A teologia
da prosperidade é a maior prova de seu materialismo e antropocentrismo, o apego
ao dinheiro e tudo que ele pode proporcionar em termos materiais. É uma
teologia imediatista, porque crê que Deus é obrigado a atender todas as
reivindicações de forma imediata. O pragmatismo é vivido através do apego
exagerado aos projetos, programações extraordinárias, que
desprezam os meios, importando apenas com o fim em si mesmo, se deu certo é
bíblico! Como devemos enfrentar nosso tempo com tantos desafios diante de nós?
É necessário conhecer a Escritura e retirar dela ensinos teologicamente
corretos e aplica-los a vida da igreja. Esse é o propósito da Teologia Cristã,
explicar as doutrinas bíblicas e aplicar a realidade da igreja. Não tem sentido
uma teologia que não seja para a vida e para nos preparar para a eternidade!
Não podemos tratar questões teológicas
pelo desejo do academicismo puro e simples, porém, movidos pelo amor a
Escritura e o desejo sincero de glorificar a Deus! É dessa maneira que
caminharemos nessa estrada pavimenta de conhecimento eterno a nós revelados
pelo Senhor em sua Palavra!
É sabido que existe
uma ferrenha resistência por parte de muitos cristãos sinceros ao estudo da
Teologia e o desprezo para com a história da mesma. Entendo que esse
desprezo em certo sentido é justificável historicamente. A teologia é um termo
que foi criado no século II da era cristã, para diferenciar a crença cristã da
crença politeísta e pagã daquele tempo. O destacado cristão, Clemente de
Alexandria, contrastou os seus escritos e ensinos teológicos com a mitologia
dos escritores pagãos, mostrando claramente que o termo “teologia” se
referia a “asserções da verdade feitas
pelos cristãos acerca de Deus”, em confronto com as histórias pagãs da
mitologia grega. [3] Houve um período, em que a
teologia assumiu um papel puramente acadêmico, assumindo a função de uma das
matérias das principais universidades europeias. Era ensinado nas faculdades de
Paris, Bolonha e Oxford, as matérias: ciências, medicina e teologia. O
paganismo já era assunto resolvido, ninguém discutia mais nos séculos 12 sobre
a existência de vários deuses ou de um único Deus, acreditava-se na existência
de um único Deus, e Ele deveria ser o Deus dos cristãos.[4] Com
essa ascensão da teologia, ela foi cada vez mais abordada academicamente e não
como uma matéria pratica para a igreja. Contudo, com a reforma protestante,
tanto Martinho Lutero como João Calvino entenderam a necessidade de usar a
teologia de forma prática. A Academia de Genebra, fundada por João Calvino em
1559, tinha como objetivo inicial oferecer aos pastores uma educação teológica
voltada para as necessidades práticas do ministério da igreja. Posteriormente,
os escritores protestantes atuaram dentro das academias e voltaram a teologia
para a teoria e não para a prática pastoral. Isso piorou muito com o
iluminismo, que combateu o ensino teológico nas academias. O teólogo liberal
Schleiermacher defendeu o uso dessa disciplina nas universidades como sendo
essencial.[5] O que tudo isso mostra, é que
herdamos um uso puramente teórico e acadêmico da teologia, divorciada da
pratica e desafios ministeriais. Temos que unir o academicismo com a prática da
igreja, teoria sem prática cristã não serve para nada, a não ser para enfeitar
o pescoço dos acadêmicos tolos! A resistência atual no meio evangélico se deve
basicamente por essas razões históricas apresentadas.
A história bem
compreendida contribui para o bom entendimento do presente e nos prepara para o
futuro. A Escritura é o fundamento seguro, a verdade absoluta, o critério com o
qual usamos para interpretar tudo que nos cerca.
Embora todas as
igrejas tenham uma teologia, é preciso saber se tal teologia procede das
Escrituras ou de experiências humanas e cosmovisão antropocêntrica. A base
teológica definirá o desenvolvimento correto ou não correto da Teologia pregada
na igreja. Se a base é a Escritura e somente ela, a teologia será boa, mesmo
que envolvida por uma nuvem de heresia, que sempre paira em nossas reflexões,
as verdades centrais serão abordadas corretamente. Todavia, se a base da
teologia for as necessidades humanas, antropocêntrica, a teologia não será
teologia, mas antropologia divorciada de uma visão bíblica, mas envolvida
totalmente em humanismo cético.
A teologia é
uma expressão de fé da igreja amparada nas Escrituras, como disse o teólogo
Kuyper:
A
Teologia não termina em conhecimento teórico e abstrato; antes, alcança
plenitude no conhecimento prático e existencial de Deus, por meio da sua
revelação nas Escrituras, mediante iluminação do Espírito. Conhecer a Deus é
obedecer a seus mandamentos. A Teologia não pode ser um estudo sem compromisso,
feito por um transeunte acadêmico. Ela é função da igreja cristã, dentro da
qual estamos inseridos. “Estudamos dogmática como membros da igreja, com a
consciência que temos uma incumbência dada por ela e um serviço a lhe prestar,
devido a uma compulsão que pode se originar somente no seu interior.[7]
Estudar teologia é um
dever de todo crente e de toda igreja cristã. É por falta de interesse pela
Palavra que a igreja tem sido facilmente atacada por heresias e abraçado
paganismo e misticismo. As músicas evangélicas retratam bem a fraqueza
teológica prevalecente, as campanhas ou práticas evangélicas provam o quanto a
Igreja de Cristo no Brasil tem sido facilmente enganada por Satanás e seus
ministros.
A igreja precisa de
Teologia fundamentada nas Escrituras. Não existe como ela existir sem estudar
sobre Deus, sua revelação registrada de forma inspirada nas Escrituras!
Qualquer pregação que não se fundamente nos ensinos escrituristicos, é falsa
teologia, é antropocentrismo e não uma visão teocêntrica e cristrocentrica!
Reverendo
Márcio Willian Chaveiro
[1] Era recente em 1999, quando este
livro foi publicado em nossa língua. Com certeza a porcentagem daqueles que não
creem na existência da verdade absoluta aumentou nos últimos anos.
[3] MACGRATH, Alister E. Macgranth,
Teologia Histórica – Uma Introdução ao Pensamento Cristão, Editora Cultura
Cristã, 2007, p.15
[7] COSTA, Hermisten Maia Pereira da
Costa – João Calvino 500 anos, Editora Cultura Cristã - 2009– pp 81-82