quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

ADULTÉRIO, DIVORCIO E SEGUNDO CASAMENTO, O QUE A BÍBLIA DIZ?


            Tenho consciência de estar pisando em terreno espinhoso porque envolve variadas interpretações desse tema e sentimentos daqueles que estão vivendo em um segundo casamento. Principalmente em nosso tempo que é rejeitado ardorosamente qualquer posição ortodoxa ou “totalitária” acerca de qualquer assunto para a vida! Contudo, como cristãos que somos, defendemos que a Bíblia é imutável em seus ensinos e que somente ela pode interpretar a nossa realidade, em que está em constante transformação. Logo, me lanço ao desafio de buscar o entendimento correto sobre adultério, divórcio e segundo casamento a luz dos princípios das Escrituras. Sabendo que um artigo não será suficiente para discutir todos os pormenores da questão e que ainda que fosse possível, o autor tem suas limitações, que o impediriam de tal proeza e propriedade! Mas dentro de uma reflexão breve, porém, na busca de ser consistente, discutirei esse assunto com o propósito de contribuir um pouco para o esclarecimento.
            Iniciarei a exposição a partir de Mateus 5. 27-32 proferido por Jesus no Sermão do Monte. Nessa série de mensagens de Jesus no Monte, ele ensina como vive um cidadão do Reino do Céus e contraposição com a vida de um religioso, como pregava os fariseus e escribas. O que levou no final da sua série de mensagens, a multidão ficar maravilhada com seus ensinos (Mt 7 28-29): Quando Jesus acabou de proferir estas palavras, estavam as multidões maravilhadas da sua doutrina; porque ele as ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas. A religião judaica com suas tradições rabínicas traziam pesos sobre os judeus que afligiam a alma, mas Cristo trouxe refrigério e alivio com a mensagem do Reino dos céus (Mt 9. 35-38; 11. 28-30)!
O texto de Mateus 5. 27-32, está dentro de uma sequência na mensagem de Cristo que é sempre iniciada com a expressão: Ouvistes que foi dito aos antigos...(5. 21,27,33,38,43), seguido da interpretação correta feita por Ele: ...Eu, porém vos digo....(5. 22,28,34,39,44). O que isso significa? Nos versos 17-20, Jesus havia ensinado que não veio para revogar a Lei, mas para cumpri-la e que ela não passará até que os céus e a terra passem (versos 17-18), nos versos citados acima, ele vai mencionar o Antigo Testamento e as interpretações equivocadas das escolas rabínicas formadas por séculos na religião judaica, e em seguida fornecer a interpretação correta das passagens. Ou seja, Ele não está revogando o que o Antigo Testamento ensinou como ordenança, mas interpretando corretamente. E um dos ensinos que são citados e interpretados é sobre o divórcio e novo casamento.
Os versos 27-30 do capítulo 5, Jesus ensina que o adultério inicia no coração, é ele que precisa ser tratado diante do Senhor! O desejo ardente por outra mulher que não seja nossa esposa, ou de um solteiro cobiçando a mulher do próximo, já é um pecado de adultério e fornicação diante de Deus. Logo, é o coração que precisa ser tratado, porque o ato físico é apenas a consequência natural de um coração em adultério ou pervertido sexualmente, por isso é necessário tomar atitudes radicais com relação aos hábitos que nos levam a tropeçar nessa área. Obviamente, o sentido de amputar é simbólica, apontando para uma amputação na alma e no coração e não literalmente no corpo! É necessário amputar da nossa vida o que nos faz tropeçar, não é literalmente a amputação do olho ou da mão, mas os desejos do coração que concebem tudo isso! A mão ou o olho não age independente do comando que vem da mente e da alma. Essa ação chama-se mortificação da carne, ou como Paulo diz aos Efésios, o despir do velho homem e revestir do novo homem em Cristo (Ef 4.17-32).
Em seguida Cristo diz (verso 31): Também foi dito: Aquele que repudiar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio. Qual parte do Antigo Testamento Jesus esta citando? É Deuteronômio 24.1-4 que diz: Se um homem tomar uma mulher e se casar com ela, e se ela não for agradável aos seus olhos, por ter ele achado cousa indecente nela, e se ele lhe lavrar um termo de divórcio, e lho der na mão, e a despedir de casa; e se ela, saindo da sua casa, for e se casar com outro homem; e este a aborrecer, e lhe lavrar termo de divórcio, e lho der a mão, e a despedir  da sua casa ou se este último homem, que a tomou para si por mulher, vier a morrer, então, seu primeiro marido, que a despediu, não poderá tornar a desposa-la para que seja sua mulher, depois que foi contaminada, pois é abominação perante o SENHOR; assim, não farás pecar a terra que o SENHOR, teu Deus, te dá por herança. Vejamos algumas situações apresentadas pelo texto que justifica o divorcio:
·         .... por ter ele achado cousa indecente nela...: Se o marido encontrar na mulher algo que seja indecente[1], pode divorciar-se. O que seria algo indecente? Não seria o adultério, que o assunto da exposição de Cristo no Sermão do Monte?
·         ... e se ela, saindo da sua casa, for e se casar com outro homem;...: Se ela ao receber carta de divórcio do marido, por ser indecente, casar-se com outro, por ser a parte ofensora, constitui-se adultério.
·         .... for e se casar com outro homem; e este a aborrecer, e lhe lavrar termo de divórcio, e lho der a mão, e a despedir  da sua casa ou se este último homem, que a tomou para si por mulher, vier a morrer,...: Percebe que o estado moral dessa mulher, na situação hipotética apresentada pelo texto, é de perversão sexual completa, porque mesmo casando com o segundo o marido, erradamente, ela recebe outra carta de divórcio ou se na hipótese desse segundo marido morrer, o primeiro não pode toma-la novamente como esposa, porque a  primeira aliança foi quebrada pela traição.
Os judeus interpretavam que podiam baseado nessa passagem divorciar-se por qualquer motivo. Existiam escola rabínicas que defendiam que se um judeu encontrasse uma mulher mais bonita que a sua, poderia divorciar-se e casar com ela. Atualmente, tem pastores trocando de esposas, por encontrar mulheres mais jovens na igreja! Mas isso é apenas um comentário a parte para ilustrar como muitos utilizam das Escrituras para legitimar seus desejos imorais!
Portanto, a questão que Cristo está tratando é a interpretação equivocada das escolas rabínicas sobre os motivos aprovados por Deus para que ocorra o divórcio. Ele condena qualquer ação de divórcio por motivos fúteis, que não sejam aqueles que a Escritura autorize, que é encontrar no outro algo “indecente”!
Qual é a interpretação que Jesus faz da Lei? O texto de Mateus 5. 32 diz: Eu, porém, vos digo: qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de relações sexuais ilícitas, a expõe a tornar-se adúltera; e aquele que casar com a repudiada comete adultério. Da mesma forma que apresentei os principais aspectos de Deuteronômio 24. 1-4, farei com esse verso para o melhor entendimento:
·         Eu, porém, vos digo: qualquer que repudiar sua mulher...: primeiro ensino é que o divórcio não pode ocorrer por outro motivo além daquele que será mencionado em seguida por Cristo. Isso faz com que o cidadão do Reino dos Céus entenda que o casamento é uma instituição de Deus e que os dois se tornam uma só carne, fazendo uma aliança bi lateral, que devem ser mantida a todo custo até o fim (Gn 2. 24). Essa interpretação é confirmada quando os fariseus experimentam a Jesus, perguntando se era lícito ao marido repudiar a mulher por qualquer motivo (Mt 19.1-6) e a reposta de Jesus é a citação de Gênesis 2.24.  
·         ...exceto em caso de relações sexuais ilícitas,...:  A expressão “exceto” implicitamente pode ser entendida como revelando que o divórcio só é permitido em caso de adultério da outra parte, sem que seja obrigatório que a parte ofendida se divorcie,  comenta Dr. Carson.[2] O que significa que é opcional para a parte traída querer ou não o divórcio, porque o casamento é uma aliança bi lateral, e uma das partes quebrou, o que não obriga a parte inocente a manter essa aliança, embora, mediante o verdadeiro arrependimento do ofensor, é o ideal. Foi isso que Jesus reafirmou em Mateus 19. 9 na resposta aos fariseus: Eu, porém, vos digo: quem repudiar sua mulher, não sendo por causa de relações sexuais ilícitas, ...
O que deduzo do ensino desse texto de Mateus 5. 32 é que o divórcio nunca foi agradável aos olhos do Senhor, pois ele instituiu o casamento para durar até o fim da vida do cônjuge. Mas, é importante lembrar que a instituição veio antes da Queda, quando o homem e a mulher eram perfeitos e se relacionavam perfeitamente. Logo, após a Queda, o pecado causou conflitos no casamento, porque a partir desse momento, são dois pecadores unidos em matrimonio e naturalmente as dificuldades conjugais surgem (Gn 3.16): ...o teu desejo será para o teu marido, e ele te governará. A mulher não desejará exercer o papel de submissão que foi instituída por Deus (Gn 2. 18), e o marido não a amará naturalmente como deve ser (Ef 5. 22.33), somente cheios do Espírito Santo poderão exercer o amor e o respeito (Ef 5. 18, 33) e refletir progressivamente a relação do Deus triuno com o seu povo! Então, o divórcio foi dado por causa da dureza do coração do homem (Mt 19.8) e não por ser um ideal de Deus para a união do homem e da mulher! A reconciliação, mesmo após o adultério sempre será o melhor caminho, todavia, não sendo possível para a parte ofendida, é direito dela não refazer o casamento com o cônjuge que a traiu e casar-se novamente.
O Dr. Martin Lloyd Jones comenta Mateus 5. 32 ampliando ainda mais a interpretação do texto em relação ao que foi dito até aqui, dizendo que a parte que quebrou  o pacto do casamento não pode casar-se novamente:
O relacionamento daquele homem para com sua esposa tornou-se o mesmo como se ela tivesse morrido; e este homem inocente tem o direito de casar-se de novo. Mais do que isso, se ele é um homem crente, então tem o direito de ter um casamento cristão. Porém, nesse caso, somente ele teria esse direito, e não ela; ou vice-versa, caso o culpado tivesse sido o homem.[3]
A Confissão de Fé de Westminster no Capítulo XXIV, V declara essa mesma interpretação do ensino de Jesus:
O adultério ou fornicação, cometido depois de um contrato, sendo descoberto antes do casamento, dá à parte inocente justo motivo de dissolver o contrato; no caso de adultério depois do casamento, à parte inocente é licito propor divórcio[4], e, depois de obter o divórcio, casar com outrem, como se a parte infiel fosse morta.[5]
Outro motivo que legitima biblicamente o direito de divórcio é o que Paulo afirma em 1 Coríntios 7.15: Mas, se o descrente quiser apartar-se, que se aparte; em tais casos, não fica sujeito à servidão nem o irmão, nem a irmã; Deus vos tem chamado a paz. Paulo está falando para crentes casados com ímpios, que antes de serem alcançados pela graça, já eram casados, e somente eles converteram ao Senhor. O apostolo diz que, se a parte ímpia quiser abandonar o cristão, por não aceitar a fé do mesmo, o cristão não está obrigado a manter-se casado, pois foi abandonado. Nesse caso de abandono, a parte abandonada pode casar-se novamente. Calvino comentando esse texto diz que o crente não pode separar por razões arbitrarias do descrente, mas se for abandonado, é inocente: ...os crentes devem permanecer unidos aos descrentes, caso estes concordem...pois o anseio pelo divorcio é inconsistente com nossa profissão de fé.[6] Logo, a Bíblia não estimula o divórcio, mas mostra que existem possibilidades, que não dependem só de uma parte, envolvem circunstâncias que podem tornar-se irremediáveis. O divórcio deve ser evitado com todas as forças, mas em caso de adultério e abandono do lar, o cristão tem o direito de separar-se, caso não tenha esperança de restauração!
O Dr. Augustus Nicodemus concorda que o divórcio é possível nesses dois casos, ao escrever um artigo sobre o novo casamento para pastores, uma prática imoral em crescimento no meio pastoral, onde pastores se separam por qualquer motivo, ele faz um breve comentário sobre as possibilidades bíblicas para o divórcio: ...Como calvinista, entendo que o divórcio é permitido naqueles casos previstos na Escritura, que são o adultério e a deserção obstinada (Mateus 19.9; 1 Coríntios 7.15...). Sou contra a sua obtenção por quaisquer outros motivos, mesmo que fazê-lo seja legal no Brasil.[7]
Considerações Finais
Concluo dizendo que o divórcio nunca foi agradável a Deus, pois Ele criou o homem e a mulher para viverem unidos em matrimonio, se complementando e revelando ao mundo a relação pactual dele com o seu povo. Contudo, a Queda ocorreu, e as dificuldades de relacionamento entre o homem e a mulher vieram, podendo ser vencidos apenas pela graça. O pecado pode seduzir um dos cônjuges e leva-lo ao pecado do adultério ou do abandono conjugal, e por isso, a parte ofendida não pode ficar escrava do pecado do outro, tem a opção de separar-se e casar-se novamente!
Entendo que o ideal é sempre a reconciliação, até onde é possível! Tenho procedido dessa forma em meu ministério quando me deparo com casos de adultério, onde mostro para a parte ofendida que tem o direito bíblico de separar, contudo, sempre enfatizo que o caminho melhor é buscar a reconciliação e reconstruir em Cristo o casamento! Mas caso, não consiga confiar mais no ofensor, é um direito a separação! Considero que somente a parte ofendida pode casar novamente, a outra deve arcar com as consequências da quebra do pacto com seu cônjuge e manter-se só até o fim da vida, ou buscar com toda a força que vem do Senhor a reconciliação com a parte ofendida. 
Logo, o melhor é sempre obedecer a Deus e lutar contra nossos pecados, amputando radicalmente todo habito que pode nos levar ao adultério no coração e depois com o corpo! Que o Senhor ajude a cada esposa cristã a respeitar seu marido como ao Senhor, e a nós esposo, a amar e cuidar das nossas esposas como Cristo o faz com a Igreja (Ef 5. 22.33)! A Ele toda a glória!
Reverendo Márcio Willian Chaveiro





[1] O termo hebraico utilizado   traz a ideia mostrar a nudez a outro, usado em Gênesis 3.10. A nudez após a Queda é símbolo de vergonha, sendo permitida apenas no casamento, e fora dele é pecado e abominação ao Senhor. Por isso, a Lei condenava uma mulher e naturalmente o homem, se revelasse sua nudez a outro que não fosse seu cônjuge.
[2] CARSON, D. A. Carson, O Comentário de Mateus, SHEDD Publicações, 2011, p. 190
[3] JONES, Marty Lloyd-Jones, Estudo no Sermão do Monte, FIEL, 1984, p. 243
[4] Negrito meu
[5] A Confissão de Fé de Westminster, Cultura Cristã, 1997,  p.126
[6] CALVINO, João Calvino, 1 Coríntios, Edições Parakletos, 2003,  p.220
[7] http://tempora-mores.blogspot.com.br/2013/05/pastores-divorcio-e-novo-casamento.html)

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