Tenho consciência de estar pisando em terreno espinhoso
porque envolve variadas interpretações desse tema e sentimentos daqueles que
estão vivendo em um segundo casamento. Principalmente em nosso tempo que é
rejeitado ardorosamente qualquer posição ortodoxa ou “totalitária” acerca de
qualquer assunto para a vida! Contudo, como cristãos que somos, defendemos que
a Bíblia é imutável em seus ensinos e que somente ela pode interpretar a nossa
realidade, em que está em constante transformação. Logo, me lanço ao desafio de
buscar o entendimento correto sobre adultério, divórcio e segundo casamento a
luz dos princípios das Escrituras. Sabendo que um artigo não será suficiente
para discutir todos os pormenores da questão e que ainda que fosse possível, o
autor tem suas limitações, que o impediriam de tal proeza e propriedade! Mas
dentro de uma reflexão breve, porém, na busca de ser consistente, discutirei
esse assunto com o propósito de contribuir um pouco para o esclarecimento.
Iniciarei a exposição a partir de Mateus 5. 27-32
proferido por Jesus no Sermão do Monte. Nessa série de mensagens de Jesus no
Monte, ele ensina como vive um cidadão do Reino do Céus e contraposição com a
vida de um religioso, como pregava os fariseus e escribas. O que levou no final
da sua série de mensagens, a multidão ficar maravilhada com seus ensinos (Mt 7
28-29): Quando Jesus acabou de proferir
estas palavras, estavam as multidões maravilhadas da sua doutrina; porque ele
as ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas. A religião
judaica com suas tradições rabínicas traziam pesos sobre os judeus que afligiam
a alma, mas Cristo trouxe refrigério e alivio com a mensagem do Reino dos céus
(Mt 9. 35-38; 11. 28-30)!
O texto de
Mateus 5. 27-32, está dentro de uma sequência na mensagem de Cristo que é
sempre iniciada com a expressão: Ouvistes
que foi dito aos antigos...(5. 21,27,33,38,43), seguido da interpretação
correta feita por Ele: ...Eu, porém vos
digo....(5. 22,28,34,39,44). O que isso significa? Nos versos 17-20, Jesus
havia ensinado que não veio para revogar a Lei, mas para cumpri-la e que ela
não passará até que os céus e a terra passem (versos 17-18), nos versos citados
acima, ele vai mencionar o Antigo Testamento e as interpretações equivocadas
das escolas rabínicas formadas por séculos na religião judaica, e em seguida
fornecer a interpretação correta das passagens. Ou seja, Ele não está revogando
o que o Antigo Testamento ensinou como ordenança, mas interpretando
corretamente. E um dos ensinos que são citados e interpretados é sobre o
divórcio e novo casamento.
Os versos 27-30 do capítulo 5, Jesus
ensina que o adultério inicia no coração, é ele que precisa ser tratado diante
do Senhor! O desejo ardente por outra mulher que não seja nossa esposa, ou de
um solteiro cobiçando a mulher do próximo, já é um pecado de adultério e
fornicação diante de Deus. Logo, é o coração que precisa ser tratado, porque o
ato físico é apenas a consequência natural de um coração em adultério ou
pervertido sexualmente, por isso é necessário tomar atitudes radicais com
relação aos hábitos que nos levam a tropeçar nessa área. Obviamente, o sentido
de amputar é simbólica, apontando para uma amputação na alma e no coração e não
literalmente no corpo! É necessário amputar da nossa vida o que nos faz
tropeçar, não é literalmente a amputação do olho ou da mão, mas os desejos do
coração que concebem tudo isso! A mão ou o olho não age independente do comando
que vem da mente e da alma. Essa ação chama-se mortificação da carne, ou como
Paulo diz aos Efésios, o despir do velho homem e revestir do novo homem em
Cristo (Ef 4.17-32).
Em seguida
Cristo diz (verso 31): Também foi dito:
Aquele que repudiar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio. Qual parte do
Antigo Testamento Jesus esta citando? É Deuteronômio 24.1-4 que diz: Se um homem tomar uma mulher e se casar com
ela, e se ela não for agradável aos seus olhos, por ter ele achado cousa
indecente nela, e se ele lhe lavrar um termo de divórcio, e lho der na mão, e a
despedir de casa; e se ela, saindo da sua casa, for e se casar com outro homem;
e este a aborrecer, e lhe lavrar termo de divórcio, e lho der a mão, e a
despedir da sua casa ou se este último
homem, que a tomou para si por mulher, vier a morrer, então, seu primeiro
marido, que a despediu, não poderá tornar a desposa-la para que seja sua
mulher, depois que foi contaminada, pois é abominação perante o SENHOR; assim,
não farás pecar a terra que o SENHOR, teu Deus, te dá por herança. Vejamos
algumas situações apresentadas pelo texto que justifica o divorcio:
·
.... por ter ele achado cousa indecente nela...: Se o marido encontrar
na mulher algo que seja indecente[1],
pode divorciar-se. O que seria algo indecente? Não seria o adultério, que o
assunto da exposição de Cristo no Sermão do Monte?
·
...
e se ela, saindo da sua casa, for e se casar com outro homem;...: Se ela ao
receber carta de divórcio do marido, por ser indecente, casar-se com outro, por
ser a parte ofensora, constitui-se adultério.
·
.... for e se casar com outro homem; e este a aborrecer, e lhe lavrar termo
de divórcio, e lho der a mão, e a despedir
da sua casa ou se este último homem, que a tomou para si por mulher,
vier a morrer,...: Percebe que o estado moral dessa mulher, na situação hipotética
apresentada pelo texto, é de perversão sexual completa, porque mesmo casando
com o segundo o marido, erradamente, ela recebe outra carta de divórcio ou se
na hipótese desse segundo marido morrer, o primeiro não pode toma-la novamente
como esposa, porque a primeira aliança
foi quebrada pela traição.
Os judeus interpretavam que podiam
baseado nessa passagem divorciar-se por qualquer motivo. Existiam escola
rabínicas que defendiam que se um judeu encontrasse uma mulher mais bonita que
a sua, poderia divorciar-se e casar com ela. Atualmente, tem pastores trocando
de esposas, por encontrar mulheres mais jovens na igreja! Mas isso é apenas um
comentário a parte para ilustrar como muitos utilizam das Escrituras para
legitimar seus desejos imorais!
Portanto, a questão que Cristo está
tratando é a interpretação equivocada das escolas rabínicas sobre os motivos
aprovados por Deus para que ocorra o divórcio. Ele condena qualquer ação de divórcio
por motivos fúteis, que não sejam aqueles que a Escritura autorize, que é
encontrar no outro algo “indecente”!
Qual é a interpretação que Jesus faz
da Lei? O texto de Mateus 5. 32 diz: Eu,
porém, vos digo: qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de relações
sexuais ilícitas, a expõe a tornar-se adúltera; e aquele que casar com a
repudiada comete adultério. Da mesma forma que apresentei os principais
aspectos de Deuteronômio 24. 1-4, farei com esse verso para o melhor
entendimento:
·
Eu, porém, vos digo: qualquer que repudiar sua mulher...: primeiro ensino é que o divórcio não pode ocorrer por outro motivo
além daquele que será mencionado em seguida por Cristo. Isso faz com que o
cidadão do Reino dos Céus entenda que o casamento é uma instituição de Deus e
que os dois se tornam uma só carne, fazendo uma aliança bi lateral, que devem
ser mantida a todo custo até o fim (Gn 2. 24). Essa interpretação é confirmada
quando os fariseus experimentam a Jesus, perguntando se era lícito ao marido
repudiar a mulher por qualquer motivo (Mt 19.1-6) e a reposta de Jesus é a
citação de Gênesis 2.24.
·
...exceto em caso de relações sexuais ilícitas,...: A expressão “exceto”
implicitamente pode ser entendida como revelando que o divórcio só é permitido
em caso de adultério da outra parte, sem que seja obrigatório que a parte
ofendida se divorcie, comenta Dr.
Carson.[2] O
que significa que é opcional para a parte traída querer ou não o divórcio,
porque o casamento é uma aliança bi lateral, e uma das partes quebrou, o que
não obriga a parte inocente a manter essa aliança, embora, mediante o
verdadeiro arrependimento do ofensor, é o ideal. Foi isso que Jesus reafirmou
em Mateus 19. 9 na resposta aos fariseus: Eu,
porém, vos digo: quem repudiar sua mulher, não sendo por causa de relações
sexuais ilícitas, ...
O que deduzo do ensino desse texto de
Mateus 5. 32 é que o divórcio nunca foi agradável aos olhos do Senhor, pois ele
instituiu o casamento para durar até o fim da vida do cônjuge. Mas, é
importante lembrar que a instituição veio antes da Queda, quando o homem e a
mulher eram perfeitos e se relacionavam perfeitamente. Logo, após a Queda, o
pecado causou conflitos no casamento, porque a partir desse momento, são dois
pecadores unidos em matrimonio e naturalmente as dificuldades conjugais surgem
(Gn 3.16): ...o teu desejo será para o
teu marido, e ele te governará. A mulher não desejará exercer o papel de
submissão que foi instituída por Deus (Gn 2. 18), e o marido não a amará
naturalmente como deve ser (Ef 5. 22.33), somente cheios do Espírito Santo
poderão exercer o amor e o respeito (Ef 5. 18, 33) e refletir progressivamente
a relação do Deus triuno com o seu povo! Então, o divórcio foi dado por causa
da dureza do coração do homem (Mt 19.8) e não por ser um ideal de Deus para a
união do homem e da mulher! A reconciliação, mesmo após o adultério sempre será
o melhor caminho, todavia, não sendo possível para a parte ofendida, é direito
dela não refazer o casamento com o cônjuge que a traiu e casar-se novamente.
O Dr.
Martin Lloyd Jones comenta Mateus 5. 32 ampliando ainda mais a interpretação do
texto em relação ao que foi dito até aqui, dizendo que a parte que quebrou o pacto do casamento não pode casar-se
novamente:
O
relacionamento daquele homem para com sua esposa tornou-se o mesmo como se ela
tivesse morrido; e este homem inocente tem o direito de casar-se de novo. Mais
do que isso, se ele é um homem crente, então tem o direito de ter um casamento
cristão. Porém, nesse caso, somente ele teria esse direito, e não ela; ou
vice-versa, caso o culpado tivesse sido o homem.[3]
A Confissão de Fé de Westminster no
Capítulo XXIV, V declara essa mesma interpretação do ensino de Jesus:
O
adultério ou fornicação, cometido depois de um contrato, sendo descoberto antes
do casamento, dá à parte inocente justo motivo de dissolver o contrato; no caso
de adultério depois do casamento, à parte inocente é licito propor divórcio[4],
e, depois de obter o divórcio, casar com outrem, como se a parte
infiel fosse morta.[5]
Outro
motivo que legitima biblicamente o direito de divórcio é o que Paulo afirma em
1 Coríntios 7.15: Mas, se o descrente quiser apartar-se, que se aparte; em
tais casos, não fica sujeito à servidão nem o irmão, nem a irmã; Deus vos tem
chamado a paz. Paulo está falando para crentes casados com ímpios, que
antes de serem alcançados pela graça, já eram casados, e somente eles
converteram ao Senhor. O apostolo diz que, se a parte ímpia quiser abandonar o
cristão, por não aceitar a fé do mesmo, o cristão não está obrigado a manter-se
casado, pois foi abandonado. Nesse caso de abandono, a parte abandonada pode
casar-se novamente. Calvino comentando esse texto diz que o crente não pode
separar por razões arbitrarias do descrente, mas se for abandonado, é inocente:
...os crentes devem permanecer unidos aos descrentes, caso estes
concordem...pois o anseio pelo divorcio é inconsistente com nossa profissão de
fé.[6]
Logo, a Bíblia não estimula o divórcio, mas mostra que existem
possibilidades, que não dependem só de uma parte, envolvem circunstâncias que
podem tornar-se irremediáveis. O divórcio deve ser evitado com todas as forças,
mas em caso de adultério e abandono do lar, o cristão tem o direito de
separar-se, caso não tenha esperança de restauração!
O Dr.
Augustus Nicodemus concorda que o divórcio é possível nesses dois casos, ao
escrever um artigo sobre o novo casamento para pastores, uma prática imoral em
crescimento no meio pastoral, onde pastores se separam por qualquer motivo, ele
faz um breve comentário sobre as possibilidades bíblicas para o divórcio: ...Como
calvinista, entendo que o divórcio é permitido naqueles casos previstos na
Escritura, que são o adultério e a deserção obstinada (Mateus 19.9; 1 Coríntios
7.15...). Sou contra a sua obtenção por quaisquer outros motivos, mesmo que
fazê-lo seja legal no Brasil.[7]
Considerações Finais
Concluo
dizendo que o divórcio nunca foi agradável a Deus, pois Ele criou o homem e a
mulher para viverem unidos em matrimonio, se complementando e revelando ao
mundo a relação pactual dele com o seu povo. Contudo, a Queda ocorreu, e as
dificuldades de relacionamento entre o homem e a mulher vieram, podendo ser
vencidos apenas pela graça. O pecado pode seduzir um dos cônjuges e leva-lo ao
pecado do adultério ou do abandono conjugal, e por isso, a parte ofendida não
pode ficar escrava do pecado do outro, tem a opção de separar-se e casar-se
novamente!
Entendo que
o ideal é sempre a reconciliação, até onde é possível! Tenho procedido dessa
forma em meu ministério quando me deparo com casos de adultério, onde mostro
para a parte ofendida que tem o direito bíblico de separar, contudo, sempre
enfatizo que o caminho melhor é buscar a reconciliação e reconstruir em Cristo
o casamento! Mas caso, não consiga confiar mais no ofensor, é um direito a
separação! Considero que somente a parte ofendida pode casar novamente, a outra
deve arcar com as consequências da quebra do pacto com seu cônjuge e manter-se
só até o fim da vida, ou buscar com toda a força que vem do Senhor a
reconciliação com a parte ofendida.
Logo, o
melhor é sempre obedecer a Deus e lutar contra nossos pecados, amputando
radicalmente todo habito que pode nos levar ao adultério no coração e depois
com o corpo! Que o Senhor ajude a cada esposa cristã a respeitar seu marido
como ao Senhor, e a nós esposo, a amar e cuidar das nossas esposas como Cristo
o faz com a Igreja (Ef 5. 22.33)! A Ele toda a glória!
Reverendo
Márcio Willian Chaveiro
[1]
O termo hebraico utilizado traz a ideia mostrar a nudez a outro,
usado em Gênesis 3.10. A nudez após a Queda é símbolo de vergonha, sendo
permitida apenas no casamento, e fora dele é pecado e abominação ao Senhor. Por
isso, a Lei condenava uma mulher e naturalmente o homem, se revelasse sua nudez
a outro que não fosse seu cônjuge.
[2]
CARSON, D. A. Carson, O Comentário de Mateus, SHEDD Publicações, 2011, p. 190
[3]
JONES, Marty Lloyd-Jones, Estudo no Sermão do Monte, FIEL, 1984, p. 243
[4]
Negrito meu
[5] A
Confissão de Fé de Westminster, Cultura Cristã, 1997, p.126
[6]
CALVINO, João Calvino, 1 Coríntios, Edições Parakletos, 2003, p.220
[7] http://tempora-mores.blogspot.com.br/2013/05/pastores-divorcio-e-novo-casamento.html)
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