sábado, 10 de janeiro de 2015

QUAIS SÃO AS CARACTERÍSTICAS BÍBLICAS ESSENCIAIS QUE UMA IGREJA?

Igreja é uma palavra que vem do grego, e nesta língua significa assembleia, multidão, ajuntamento popular. Qualquer grupo que se reunisse para tratar dos mais diversos fins era, para os gregos, uma igreja (Eclésia). Os escritores sagrados, para descrever as novas ideias que surgiram na nova religião, empregavam alguns vocábulos gregos com nova significação e acrescentavam a outros alguma coisa no sentido que já possuíam, então, "Igreja" deixou de significar um mero aglomerado de pessoas, para designar a assembleia ou reunião de pessoas para prestar culto a Deus.
No sentido bíblico, a igreja é a comunidade de todos os cristãos de todos os tempos.[1] O teólogo luterano Paul Tillich comentou corretamente sobre a igreja como comunidade dos crentes dentro das igrejas: ...a verdade de que a igreja, a Comunidade Espiritual, sempre vive nas igrejas e que onde quer que existam igrejas confessando que seu fundamento está no Cristo como manifestação central do Reino de Deus na história, ali está a igreja.[2] Ele argumenta nesse ponto que a falta de visão dessa duplicidade da igreja, comunidade dos crentes nas igrejas, é demoníaco, porque o contrário disso gera uma visão religiosa extremista como ocorreu no catolicismo romano.
Nas Escrituras encontramos vários textos que falam sobre a igreja com figura de linguagem. Paulo usa várias metáforas para igreja em Efésios 2. 19, 21-22. Ele a compara com família de Deus (verso 19); edifício e santuário (verso 21); tabernáculo para a habitação de Deus (verso 22). A igreja é chamada de “noiva de Cristo” quando Paulo fala da relação conjugal e afirma que o mistério no qual se referia é sobre a relação de Cristo com a igreja (Ef 5. 32): Grande é este mistério, mas eu me refiro a Cristo e a igreja. No Antigo Testamento Deus se relacionava com Israel como um marido se relaciona com sua esposa, todavia, a nação adulterou espiritualmente e se prostituiu com outras nações, abandonando o seu Amado (Ez 16. 1-20). Porém, no Novo Testamento, é a igreja, composta de judeus e gentios alcançados pela graça, que é considerada noiva ou esposa de Cristo (2 Co 11.2)!

Os reformadores entendiam que a igreja de Cristo tem características essenciais que a diferem de qualquer ajuntamento, que não seja verdadeiramente igreja. Existiram muitos debates entre os reformados sobre quantas e quais seriam essas marcas da igreja. Alguns defendiam que seria apenas uma, a pregação fiel da Palavra, outros defenderam que seriam duas, a pregação da Palavra e o exercício correto dos sacramentos. E por último, alguns defenderam que seriam três: Pregação fiel da Palavra, exercício correto dos sacramentos e disciplina.[3] O que podemos claramente observar é que embora não exista consenso entre os teólogos reformados com relação as marcas distintivas da igreja, uma marca é consenso entre todos, a Pregação Fiel da Palavra.
A Confissão de Fé de Westminster faz a seguinte afirmação acerca das características básicas da igreja (Capítulo XXV, IV):
Esta Igreja Católica tem sido ora mais, ora menos visível. As igrejas particulares, que são membros dela, são mais ou menos puras conforme neles é, com mais ou menos pureza, ensinado e abraçado o Evangelho, administradas as ordenanças e celebrado o culto público.[4]

Logo, a Confissão não trata das marcas como os reformadores posteriormente trataram. Mas fala da pureza da igreja tendo como característica ensinar e abraçar o Evangelho, administrar as ordenanças, que são os sacramentos e o culto público. Já a Confissão Belga[5] no seu Artigo 29 apresenta as três marcas da igreja citadas no início desse ponto:
...As marcas para conhecer a verdadeira igreja são estas: ela mantém a pura pregação do Evangelho, a pura administração dos sacramentos como Cristo os instituiu e o exercício da disciplina eclesiástica para castigar os pecados. Em resumo, se orienta segundo a Palavra de Deus, rejeitando todo o contrário a essa Palavra e reconhecendo Jesus Cristo como o único Cabeça. Assim, com certeza, pode-se conhecer a verdadeira igreja; e a ninguém convém separar-se dela...[6]
            O que podemos deduzir de tudo que foi exposto é que não existe realmente um consenso sobre a quantidade das marcas de uma igreja fiel a Cristo! Todavia, as marcas existem e devem ser de acordo com as Escrituras e não com as experiências humanas. Continuo entendendo que as três marcas tradicionalmente usada pelos reformados: Pregação fiel da Palavra; exercício correto dos sacramentos; e exercício da disciplina cristã, continuam sendo as principais, mas que existem outras subdivisões dessas que são centrais. John Stott por exemplo dizia que a igreja deveria ter como marca: amor, sofrimento, santidade, sã doutrina, autenticidade, evangelização e humildade.[7] O teólogo de Genebra, João Calvino assim se expressou sobre as marcas da igreja de Cristo: Onde quer que vejamos a palavra de Deus ser sinceramente pregada e ouvida, onde vemos os sacramentos serem administrados segundo a instituição de Cristo, aí de modo nenhum se há de contestar estar presente uma igreja de Deus.[8] Mas o consenso maior entre os reformados e as confissões são as três marcas até aqui enfatizadas.
            É importante falarmos sobre as marcas da igreja no século XXI, onde enfrentamos outros desafios em relação a essência e característica da igreja de Cristo. Em um país que estima-se ter em torno de 40 a 60 milhões de evangélicos, nas suas variadas e muitas vezes “criativos” nomes de denominações, precisamos desenvolver uma visão bíblica de eclesiologia. Sabendo o que é imutável no caráter e essência de uma igreja verdadeira e o que é até certo ponto flexível. As marcas que abordamos de uma igreja fiel são imutáveis, inegociáveis, mas governo de igreja, forma de batismo se por imersão, efusão ou aspersão, são questões flexíveis e toleráveis nas suas muitas perspectivas, no meu entendimento! Para fundamentar essa ênfase nas três marcas, abaixo exponho resumidamente cada ponto, com os respectivos textos bíblicos:
  • Primeira Marca: Pregação Fiel das Escrituras -  Todas outras marcas da igreja, compreendendo serem mais duas ou se defender que são mais, dependem totalmente dessa primeira! A igreja nunca terá uma pregação perfeita, mas sempre examinará sua pregação a partir das Escrituras (1 Jo 4.1-3; Ef 2.20; II Tm 4. 1-5; At 2. 42; II Tm 2.15,24-26; Ef 4. 7-16).
  • Segunda Marca da Igreja: Administração Correta dos Sacramentos – Os Sacramentos, batismo e Ceia, só tem conteúdo derivado da Palavra de Deus. É nela que encontramos o real sentido de cada um deles. Por isso, esses sacramentos devem ser ministrados por legítimos ministros do Evangelho, devidamente qualificados. Por isso, os sacramentos perdem seu sentido ao serem ministrados por falsos pastores, que introduziram heresias no sentido real de cada sacramento (Mt 28. 19; Mc 16.15-16; At 2. 42; 1 Co 11. 23-30).
  • Terceira Marca da Igreja: O fiel exercício da Disciplina -  A disciplina na igreja visa três efeitos básicos: vindicar a honra de Cristo publicamente; corrigir o irmão em pecado; e causar temor na igreja em relação a pecar contra Deus. Vemos isso em vários textos bíblicos como Gálatas 6. 1-4; 1 Coríntios 5. 1-5; Mateus 18.18; Atos 5. 1-11 e outros.
A igreja Evangélica, na sua maior parte, tem essas características essenciais? A reposta que veio a sua mente ao entender o que a Escritura ensina, revela a causa de tanto distanciamento da igreja moderna do Evangelho de Cristo! Pense sobre isso e procure congregar onde essas marcas estão presentes!
Reverendo Márcio Willian Chaveiro


[1] GRUDEM,1999, p.715
[2] TILICH, Paul Tilich, 1967, p. 673
[3] BERKHOF, Teologia Sistemática, 1998, p.580
[4] http://www.monergismo.com/textos/credos/cfw.htm
[5] A Confissão Belga foi a primeira confissão reformada, originada na região da atual Bélgica, em 1561. O principal autor dela foi o reformador Brés, um pregador reformado que martirizado em 1567 (fonte: Bíblia de Estudo de Genebra, Revisada e Ampliada, 2009).
[6] JR, Richard L. Pratt Jr., Bíblia de Estudo de Genebra, 2 Edição Revisada e Ampliada, 2009, São Paulo, p.1757
[7]DEVER, Mark Dever, Nove Marcas de uma Igreja Saudável, Editora FIEL, 2007, São José dos Campos, p.22
[8] Cf.  DEVER, 2007, p. 23

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