Um membro da igreja que pastoreio perguntou se
historicamente e biblicamente é correto cantarmos apenas Salmos em nossos
cultos de orientação teológica reformada? É uma boa pergunta e por isso buscarei
desenvolver argumentos bíblicos e históricos para contribuir para um bom
entendimento sobre essa questão. Obviamente não desenvolverei longamente esse
artigo para não ser enfadonho, mas conciso e bíblico na construção.
Realmente a
Confissão de Fé de Westminster em seu capítulo XXI – Do Culto Religioso e do
Dia de Descanso, na seção V fala sobre cantar com Salmos: ...o cântico de salmos com graça no coração,...[1]
E o Diretório de Culto de Westminster também orienta o uso dos Salmos como
cântico na igreja durante o culto.[2] Em
um dos trechos do Diretório diz: Quando a
Igreja estiver novamente reunida,..., um andamento igual no orar, ler, pregar,
cantar Salmos e ofertar mais louvor e ações de graça, como aquilo que já foi instruído
para a manhã. Então, tudo aparentemente indica que ser calvinista realmente
é defender ardorosamente apenas os Salmos como cânticos a serem entoados no
culto!
Temos que
iniciar primeiramente entendendo qual a importância e função dos símbolos de fé
de Westminster nas Igrejas Presbiterianas Reformadas! A Igreja Presbiteriana do
Brasil entende que o princípio fundamental para a igreja é a Escritura, e que
os concílios e declarações destes, como os do Concilio na Capela de
Westminster, devem ser observados se estiverem em conformidade com a Bíblia.
Nenhuma Confissão Reformada é infalível em sua interpretação dos textos
bíblicos.[3] A
Igreja Presbiteriana Conservadora do Brasil, a qual pertenço, defende o mesmo
posicionamento da IPB em sua
Constituição e Ordem com a seguinte introdução, item 2: A Igreja tem as Escrituras Sagradas do Antigo e Novo Testamentos como a
única regra de fé e prática, adota o regime presbiteriano de governo, aceita os
Símbolos de Westminster (Confissão de Fé, Catecismo Maior e Breve Catecismo, tradução
brasileira) como seu sistema doutrinário e rege-se pela presente Constituição e
Ordem.[4]
Tanto a IPB quanto a IPCB tem como símbolos de fé a Confissão de Westminster e
os seus catecismos.[5]
Não irei aqui mencionar outras igrejas presbiterianas, por não ser esse o
proposito, porém a que pertenço e a primeira e mais importante no cenário
presbiteriano brasileiro.
O Diretório
de Culto de Westminster não é símbolo de fé para as igrejas reformadas, é
apenas uma direção litúrgica, com princípios bíblicos gerais e não “mandamentos
litúrgicos”, a não ser aqueles que realmente são normativos biblicamente, nesse
caso não é por causa do Diretório, mas por causa da Escritura!
O contexto
em que a Confissão de Westminster com seus catecismos e o Diretório de Culto
foram feitos é de luta para reformar completamente as Ilhas Britânicas, principalmente
a Inglaterra. A Igreja Anglicana por muito tempo havia dominado o cenário
religioso britânico, impondo sobre os ministros reformados práticas católicas,
com o Livro de Oração Comum, que continha muitas orientações contrárias as
Escrituras. Os reformados ingleses por lutarem por uma reforma completa, foram
chamados ironicamente de Puritanos, pois o lema deles era: Igreja, Liturgia
Pura, Vida Pura, e Governo Puro!
No Diretório
de Culto de Westminster, publicado pela editora Puritanos, a introdução foi
feita pelo Ian Breward que afirmou o seguinte sobre essas resoluções litúrgicas:
...Embora não tivesse obtido êxito e suas
metas, e possuísse alguns pontos bem fracos, foi um importante precursor das
tentativas de fornecer uma estrutura mais bíblica para o culto, que evocasse
uma resposta apropriadamente teocêntrica da parte dos adoradores. Mais
adiante e continua:
Os compiladores desejavam apaixonadamente
encontrar uma forma de culto que unisse os cristãos da Inglaterra e Gales,
Escócia e Irlanda e que fosse aceitável às Igrejas Reformadas da Europa e
América do Norte. Procuravam abarcar uma amplitude muito maior na prática e
convicção do que a encontrada em qualquer das atuais igrejas britânicas.
A luta
deles era ferrenha para limpar a Igreja dos ranços católicos, por isso podemos
entender o zelo em orientar as igrejas que cantassem apenas Salmos, algo que
não seria rejeitado em nenhuma igreja reformada do mundo da época!
O que a
Bíblia diz sobre essa questão? Creio que não preciso mostrar que no Antigo
Testamento o povo da Aliança cantava Salmos! O que significa Salmos? Significa
uma coleção de cânticos, hinos e poemas
hebraicos, que foram compostos em vários períodos da história de Israel.[6] No
hebraico Salmo é “mizmor” e no grego
o correspondente é “psalm”. O sentido
provável dessas palavras é de cânticos acompanhados por instrumentos musicais.
Esses Salmos representavam as lutas, esperanças, tristezas, alegrias, do povo
da aliança! Eles foram escritos para acima de qualquer outra função, para serem
cantados, um por um, não necessariamente na ordem canônica, explica [7]
E o Novo
Testamento o que diz sobre isso? Não diz muita coisa sobre cânticos no culto,
não existe uma regra absoluta de passos para a liturgia, existem princípios imutáveis,
como: a centralidade da adoração ao Deus
triuno, a ênfase na pregação da Palavra, a oração, a comunhão, reverência,
disciplina, ofertas, e os cânticos de ações de graças (Ap 4.8,10-11; 5.
7-14; At 4.23-25; 1 Co 11.17-34; 14.40; 16.1-4;2 Co 9. 1-15). E os Salmos como
cântico? Pense comigo, se fosse uma ordem de Deus para a Igreja de Cristo só
cantar Salmos no culto, não haveria muitos textos que reafirmariam isso e deixaria
claro, como é caso da Ceia, do batismo, da disciplina, da generosidade
financeira, da exposição bíblica, do amor na comunhão...?
Vou expor
os poucos textos no Novo Testamento que podem ser utilizados para defender essa
tese litúrgica. O primeiro que posso citar é Mateus 26.30, que diz que: E, tendo cantado um hino, saíram para o
monte das Oliveiras. Esse hino cantado por Jesus e os discípulos era algum
Salmo? Segundo o Dr. Carson foi cantado provavelmente por eles a última parte de
um desses Salmos:114, 115 ou 118, que era chamado de Hallel, que Jesus como
líder lia e os discípulos respondiam com Aleluia! O que, sendo assim, deve ter
sido muito emocionante![8]
Creio que é possível que Jesus com os discípulos tenham cantado um Salmo ou
mais, mas seria isso argumento para que a Igreja só cantasse Salmos no culto?
Ou a passagem ensina a instituição da Ceia como sendo uma normativa para a
Igreja em todos os tempos? É importante dizer, que Dr. Carson nem sequer
menciona a possibilidade dessa normativa para a igreja em seu comentário, eu
que apenas utilizei um possível argumento nesse sentido e sua incoerência, caso
exista! Sem contar que Jesus nesse momento vive a transição do judaísmo para o
período da igreja, o que seria natural como judeus cantar Salmos.
Todavia, o
texto mais polêmico nesse sentido é sem dúvida Efésios 5.19: falando entre vós com salmos, entoando e
louvando de coração ao Senhor com hinos e cânticos espirituais. Aqui temos
realmente uma menção de louvor musical com salmos pela igreja. Mas seria na
passagem uma forma ou conteúdo do cântico,
ou a ênfase é uma vida cheia do Espírito Santo que se exterioriza em uma vida diária de adoração com cânticos
individuais e coletivos; com ações de
graças (verso 20), com submissão
mutua nas relações eclesiásticas (verso 21; no casamento com submissão da mulher ao marido e amor do marido a
esposa, tendo como padrão em ambos a relação da igreja com Cristo (versos
22-33); na relação de pais e filhos
(6.1-4); na relação profissional
(6.5-9)? O Dr. Martin Lloyd Jones comenta assim o resultado apresentado por Paulo
de uma vida cheia do Espírito Santo: ...Quando
os homens e as mulheres são dominados pelo Espírito Santo na mente, no coração
e na vontade, essa é o tipo de vida que levam. Prossigamos, continuemos sendo
dominados pelo Espírito Santo, que habita em nós como “hospede bondoso e bem
disposto.”[9]
Se Paulo está
normatizando cantar somente Salmos na igreja, então esta normatizando também
escravos em todos os tempos (6.5-9), pois estão no mesmo contexto de ensino!
Ninguém concordaria com isso, mas Paulo está dando diretrizes bíblicas sobre o
que deve ser feito por aquele que presta culto a Deus cheio do Espírito Santo.
Outro aspecto deve ser observado, é que em toda a passagem citada como
resultado de uma vida cheia do Espírito é dentro da comunidade cristã, seja
casa (como era no período apostólico) seja em prédios como hoje, porém envolve
a vida diária do crente em todas as áreas da sua vida e não apenas em comunhão
para adoração! O contexto não envolve fortemente o sentido de culto coletivo,
mas culto na vida que naturalmente leva ao culto coletivo! Fazer dessa passagem
um argumento normativo para ordenar a igreja do século XXI a cantar apenas
Salmos, desprezando o contexto da passagem e seu ensino principal, além disso,
toda uma história de homens e mulheres de Deus que foram tremendamente usados
para compor belos hinos, fundamentados na Escritura, é no mínimo sem sentido!
As
expressões usadas por Paulo no texto são todas relacionadas a Salmos? Não,
apenas a primeira “psalmos”, os outros
termos “hino” e cânticos espirituais” correspondem a cânticos que eram entoados no
período romano para um deus herói, que Paulo aqui utiliza para atribuir ao
verdadeiro herói e Deus, Cristo![10] Os
hinos e cânticos espirituais referem-se muito provavelmente a todos os cânticos
que foram produzidos pela igreja primitiva do mesmo caráter bíblico dos Salmos,
obviamente não inspirados, mas fundamentados na Escritura.
O apóstolo compõem
cânticos a Cristo nesse caráter de vitorioso como os romanos faziam aos seus heróis
(1 Tm 3. 16: ...Aquele que foi
manifestado na carne foi justificado em espirito, contemplado por anjos,
pregado entre os gentios, crido no mundo, recebido na glória. Na própria
carta aos Efésios existem evidencias fortíssimas de trechos de hinos compostos
pela Igreja Primitiva que não eram Salmos do Antigo Testamento como no capítulo
4.4-6, ou 5.14. Vemos outras possíveis partes em 1 Timóteo 1.17: Assim, ao Rei eterno, imortal, invisível,
Deus único, honra e glória pelos séculos dos séculos. Amém. Ou no capítulo
6.16 dessa mesma carta: o único que
possui imortalidade, que habita em luz inacessível, a quem homem algum jamais
viu, nem é capaz de ver. A ele honra e poder eterno. Amém. Temos três opções
para essas passagens: Paulo era compositor; ou citou uma música biblicamente
correta cantada pela igreja primitiva; ou ainda os trechos mesmo tendo toda
estrutura de cânticos espirituais, não são!
Existem
dados históricos que falam dos cristãos primitivos cantando hinos a Cristo,
como sendo fosse um deus, na visão de historiadores seculares, como Plínio.[11]
Logo, temos evidencias textuais, contextuais e históricos que demonstram
claramente que além dos Salmos, a igreja primitiva cantava hinos compostos por
irmãos com o dom para a música!
Considerações Finais
Você pode
pensar que estou combatendo a interpretação dos teólogos de Westminster!? Não,
eu a subscrevi quando fui ordenado ao ministério! Entendo apenas que não foram
inspirados na interpretação das Escrituras, podendo ter cometido falhas. E que
no momento histórico que viviam, foi o caminho que acharam para lutar contra as
heresias litúrgicas na Inglaterra. Defendo que não tiveram a intenção de
normatizar essa prática, mas de fornecer direcionamentos bíblicos para todas as
épocas, que é prestar um culto teocêntrico!
Compreendo
que os irmãos que defendem essa tese de ser permitido cantar apenas Salmos no
culto, são zelosos, todavia, é um zelo sem sabedoria! É muito comum serem intolerantes
com quem pensa o contrário, e isso cheira legalismo e posição bíblica! É
verdade que hoje a igreja tem produzido poucas músicas que podem ser entoadas
na adoração ao Senhor, todavia, existem irmãos que tem o dom e seriedade para
compor músicas bíblicas que glorificam a Deus, como por exemplo o Paulo Cezar
do Grupo Logos, com várias músicas, mas destaco uma com a qual términos minha
reflexão, Autor da Minha Fé:
Oh Pai, eu queria
tanto ver
O meu Senhor descer, vindo me encontrar
Eu posso até imaginar
A refulgente Glória do Senhor Jesus
Transpondo as brancas nuvens no mais puro azul
Onde nem sul nem norte existirá
E em meio a lágrimas, sorrisos de alegria e de prazer
Eu que era cego, agora posso ver
Contemplar, contemplar enfim
Por isso eu canto Glória
O meu Senhor descer, vindo me encontrar
Eu posso até imaginar
A refulgente Glória do Senhor Jesus
Transpondo as brancas nuvens no mais puro azul
Onde nem sul nem norte existirá
E em meio a lágrimas, sorrisos de alegria e de prazer
Eu que era cego, agora posso ver
Contemplar, contemplar enfim
Por isso eu canto Glória
REFRÃO
Glória! Glória ao autor da minha fé
Glória! Glória ao autor da minha fé
Glória! Glória ao autor da minha fé
Glória! Glória ao autor da minha fé
Oh Pai, eu queria tanto, tanto ouvir
O som que vai abrir o encontro triunfal
Rever amigos que, um dia, em Cristo foram feitos meus irmãos
E agora sim, podemos dar as mãos
Pois temos todos um, somente um, um só Senhor
E eis o consolo que envolve a minha vida
O meu Senhor Jesus que foi morto sim, naquela cruz
Voltará, voltará enfim
Por isso eu canto Glória
O som que vai abrir o encontro triunfal
Rever amigos que, um dia, em Cristo foram feitos meus irmãos
E agora sim, podemos dar as mãos
Pois temos todos um, somente um, um só Senhor
E eis o consolo que envolve a minha vida
O meu Senhor Jesus que foi morto sim, naquela cruz
Voltará, voltará enfim
Por isso eu canto Glória
[REFRÃO]
Glória ao Senhor!
Glória ao Senhor!
Glória ao Senhor!
O autor da minha fé[12]
Glória ao Senhor!
Glória ao Senhor!
O autor da minha fé[12]
Reverendo Márcio
Willian Chaveiro
[1]
HODGE, A. A. Hodge, Confissão de Fé de Westminster, Comentada por A.A. Hodge,
Puritanos, 1999, p. 377
[2] O
Diretório de Culto de Westminster, Puritanos, 2000, pp.63-66
[3]
Bíblia de Estudo de Genebra, Cultura Cristã, 2011, p. 1785
[4]
Constituição e Ordem e Anexos, Igreja Presbiteriana Conservadora do Brasil,
2009, p. 9
[5] http://www.executivaipb.com.br/site/constituicao/constituicao.pdf
[6]
Dicionário Bíblico Wyciffe, CPAD, 2006, pp. 1734-1735
[7] FEE
& STUARTE, Gordon Fee & Douglas
Stuart, Como Ler a Bíblia Livro por Livro, Vida Nova, 2013, p. 157
[8]
CARSON, D. A. Carson, O Comentário de
Mateus, Shedd, 2011, p.624
[9] JONES<
D. M. Lloyd Jones, Vida no Espírito no Casamento, no Lar e no Trabalho, PES,
1991, pp. 42-43
[10] FOULKES,
Francis Foukes, Efésios – Introdução e Comentário, Mundo Cristão, 1963, p. 126
[11]
CHAMPLIN, Russel N. Champlin, O Novo Testamento Interpretado – Versículo por Versículo,
p. 626
[12] http://letras.mus.br/logos/400213/
Nenhum comentário:
Postar um comentário