Existe uma grande resistência no meio evangélico para aceitar que Deus decretou todas as coisas, parte dessa resistência se dá devido a visão humanista que muitos crentes têm da Escritura, na realidade querem adequá-la aos seus pontos de vistas e com a cultura regente. Temos três opções com relação a Deus: 1. Ele reina soberanamente sobre todos os acontecimentos; 2. Ele não reina, se adapta a realidade e toma suas decisões de acordo com as decisões “livres” dos homens; 3. Deus reina e governa com base na sua “presciência”, tornando-o apenas com o poder de prever o futuro e com base nessa previsão, decretar todas as coisas. Naturalmente, defenderei a primeira opção, Deus é soberano e por isso reina sobre todas as coisas, fazendo com que sua vontade soberana e eterna seja cumprida na história. Crer em um Deus que não governa a história é viver na dimensão do medo e insegurança! Todavia, crer que Ele é absolutamente soberano é descansar e aquietar a alma, como diz o Salmo 46.10: Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus; sou exaltado entre as nações, sou exaltado na terra. A teologia reformada calvinista enfatiza a soberania de Deus, porque acredita nas declarações bíblicas que Deus soberanamente determinou, desde a eternidade, tudo quanto há de suceder, e executa a Sua soberana vontade em sua criação toda, tanto a espiritual como a natural, de acordo com o seu plano predeterminado.[1]
O teólogo Bavinck nos ensina que não
temos uma descrição abstrata nas Escrituras desses decretos:
A Escritura não nos oferece uma descrição abstrata desses decretos. Em
vez disso, eles se tornam visíveis a nós no curso da própria História. Deus é o
Senhor de toda a terra e demonstra seu senhorio dia após dia na criação,
preservação e governo de todas as coisas. O mesmo é verdade sobre a eleição e a
reprovação.[2]
Em
conformidade com a declaração de Bavink, o teólogo Berkhof diz que os decretos
divinos...Não são descritas abstratamente
a Escritura, mas são colocadas diante de nós em sua concretização histórica...[3] A história, a luz
das Escrituras, testemunham que Deus reina, governa conforme sua soberana
vontade. Os relatos históricos da Bíblia mostram as ações soberanas de Deus,
como tudo concorre para sua glória eterna!
Muitas linhas
teológicas negam a soberania de Deus. Os arminianos pouco falam sobre decretos,
comentam mais a doutrina da eleição.[4] Os
liberais são deístas na prática, portanto, é inconcebível que defendam a ideia
de um Deus absolutamente soberano. E os defensores da teologia relacional,
creem em um Deus que se adapta as decisões dos homens e as circunstâncias. A
igreja neo pentecostal desenvolve uma visão de um Deus servo, que atende as
exigências com “fé” dos seus adoradores. Já os luteranos não falam muito sobre
os decretos de Deus, comentam mais sobre a predestinação como sendo
condicional, afirma Berkhof:
A teologia luterana é menos teológica e
mais antropológica. Incoerentemente, ela toma seu ponto de partida em Deus e
considera todas as coisas como divinamente predeterminadas, mas revela uma
tendência para considerar as coisas de baixo para cima, e não de cima para
baixo. E se até este ponto ela crê na predeterminação, inclina-se a limita-la
ao bem que há no mundo, e mais particularmente às bênçãos da salvação.[5]
Quando os
decretos são vistos de “baixo para cima” o homem sempre é enfatizado como livre
demais para tomar suas decisões! Creio ser esta uma das causas de
interpretações equivocadas com relação a soberania de Deus no meio cristão.
Além, de uma fraca interpretação dos textos bíblicos que ensinam claramente a
soberania do Senhor. A questão dos decretos se esbarra na questão da liberdade
humana, o livre arbítrio. Pelágio[6],
por exemplo, partia da ideia que Deus é bom e justo, e portanto, toda a
criatura que Deus chamou à existência deve, por natureza, ser boa. Se isso é
verdade, então essa natureza pode ser transformada em uma natureza má e
corrompida. Essa defesa é especialmente aplicada ao livre arbítrio, o maior dom
de Deus á humanidade, a verdadeira imagem de Deus, segundo ele.[7]
Quando interpretamos as Escrituras do ponto de vista puramente filosófico e
racionalista, limitamos Deus e divinizamos o homem.
Outro aspecto
que é importante destacar incompreensão dos efeitos da Queda no homem. Se o
homem não foi afetado pelo pecado e todos nascem bons como Adão, sendo
corrompidos pelos maus exemplos, então existe muita coisa boa nele, com traços
de maldade causados pelas circunstâncias, como os pelagianos entendem.[8] Se
o homem foi danificado pelo pecado, mas ainda tem traços de bondade, pode ser
despertado para servir a Deus, como os arminianos defendem. Contudo, se a Queda
afetou todas a natureza humana, o homem não é capaz de escolher o bem, é
escravo de si mesmo e portanto, não tem livre arbítrio após a Queda, como a fé
reformada define.
O pensamento
pelagiano está em plena conformidade com o nosso tempo! O raciocínio teológico
de Pelágio era que a Queda não afetou o homem, todos nascem bons como Adão,
sendo assim, são circunstâncias externas ou pessoas que dão mau exemplo e o
corrompe. Se existe pessoas ruins que dão mau exemplo e o homem nasce bom,
alguém no passado desenvolveu inicialmente a prática do pecado, para que outros
fossem influenciados! Como explicar comportamentos de crianças que pouco
tiveram contato com a realidade, que já revelam rebeldia, egoísmo e ira? De
pessoas que foram criadas em ambientes saudáveis e se tornaram criminosos,
psicopatas? Outras que cresceram em famílias criminosas, mas tornaram-se
cidadãos honestos? Pelágio poderia dizer que tudo isso partiu da decisão livre
da pessoa, se isso for verdade, existem pessoas mais capazes que outras,
melhores que outras ou piores, porque conseguem tomar decisões contrárias ao
“externo” que tanto as influencia, como defende essa teologia. Se as
circunstâncias são tão influenciadoras sobre o homem, ele não é livre, é
escravo do que o influencia! Essa visão se enquadra com a perspectiva do homem
na pós modernidade. O homem é uma tabua rasa ao nascer e com o contato com a
realidade vai se transformando, não tendo nada inato que o incline para o mal.
O decreto de
Deus é o Seu plano ou propósito eterno, no qual preordenou todas as coisas que
acontecem. Para o conteúdo concreto de Seu decreto Deus utilizou o conhecimento
ilimitado que Ele tem de todas as espécies de coisas possíveis. Desse grande
acervo de possibilidades reuniu em Seu decreto somente as que realmente
acontecem. A inclusão delas no decreto não significa necessariamente que Ele
mesmo as trará ativamente à existência, mas em alguns casos quer dizer que, com
permissão divina e de acordo com o Seu plano, elas serão certamente realizadas
por Suas criaturas racionais. O decreto de Deus com referência ao pecado é,
portanto, permissivo.
A Confissão
de Fé de Westminster no Capítulo III, I, afirma:
Desde toda a eternidade e pelo mui sábio e santo
conselho de sua própria vontade, Deus ordenou livre e inalteravelmente tudo
quanto acontece, porém de modo que nem Deus é o autor do pecado, nem violentada
é a vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou a contingência das causas
secundárias, antes estabelecidas.[9]
Não entrarei
aqui a discussão da origem do mal e do pecado, por ser esse espaço insuficiente
para tal discussão. No entanto, coloco algumas questões lógicas e bíblicas para
sua reflexão: 1. Se o mal veio a existir espontaneamente, sem que tenha sido
decretado por Deus, ele é uma força autônoma, igual a Deus no sentido inverso;
2. Se o mal tinha que existir para que fosse manifestada a graça e misericórdia
de Deus, como o Senhor faria para que isso ocorresse sem que Ele fosse o agente
do mal, pois não poderia ir contra sua natureza santa, não seria sábio que isso
viesse ocorrer por meio de seres morais livres para tomar decisões contrárias
sua natureza santa e perfeita, como fez Satanás e Adão? É o grande mistério do
paradoxo: Soberania de Deus e a responsabilidade humana!
Qual é sua
opinião sobre tudo isso? Você crê em um Deus que planejou na eternidade todas
as coisas e sabiamente faz com que tudo aconteça conforme sua soberana vontade,
para sua glória (Rm 11. 33-36)? Ou prefere imaginar um Deus que se adapta as
suas decisões, que muda de opinião de acordo com as circunstâncias, sendo refém
da história e não o seu autor? Pense nisso!
Reverendo
Márcio Willian Chaveiro
[2] BAVINCK, Herman Bavinck, Dogmática Reformada
– Deus e a Criação, Volume 2, Cultura Cristã, 2012, p. 352
[6] Pelágio viveu em 405 d.C. e defendeu
ardorosamente o livre arbítrio do homem, o que fez surgir após ele o conhecido
pelagianismo.
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