terça-feira, 12 de setembro de 2017

A REFORMA PROTESTANTE DO SÉCULO XVI E OS DESAFIOS DA IGREJA NO SÉCULO XXI



O termo “Reforma” é usado por historiadores e teólogos para se referir ao movimento da Europa ocidental no século XVI e teve início com expoentes como Martinho Lutero, Huldrych Zwinglio e João Calvino que promoveram a reforma moral, teológica e institucional da Igreja cristã nessa região. A reforma teve questões sociais, políticas e econômicas envolvidas. Existia um interesse por parte de muitos líderes políticos de viverem livres das imposições do papado. Contudo, esses teólogos e outros, combateram o paganismo e apostasia da igreja romana, trazendo a igreja cristã de volta as Escrituras.
Os reformadores enfrentaram muitos desafios, como abandono da Escritura, indulgências, idolatria, domínio da igreja através do papado, misticismo e paganismo que imperava naqueles dias e outros. Podemos dizer em suma que a Igreja Romana defendia naqueles dias: 1) Somente a Escritura e a Tradição; 2) Somente a Fé e as obras; 3) Somente a Graça e os méritos; 4) Somente Cristo, Maria e a intercessão dos santos; 5) somente Deus, os santos e a hierarquia da igreja.[1] Haviam aspectos políticos de dominação por parte da igreja romana e vários outros desafios. Mas os Reformadores se levantaram ousadamente contra todo esse sistema e no poder do Espírito Santo de Deus, pregando somente a Escritura, somente Cristo, somente a Graça, somente a Fé e somente a glória a Deus, mudaram o mundo da época através dessa firme convicção, e sentimos seus efeitos em nossos dias, depois de 500anos.
Hoje temos outros desafios, alguns poucos são em essência os mesmos, como o desprezo pela Escritura, o misticismo e o paganismo vivenciado pela igreja evangélica. Todavia, existem outros desafios que diferem em muito ao do período dos reformados, como o socialismo, feminismo, ateísmo e islamismo, que juntos tem configurado a nossa cultura e atacado a nossa fé com todas as forças! A igreja do século XXI consciente e inconscientemente tem sido moldada por esses pressupostos culturais. Muitos na tentativa de dialogar desenfreadamente tem naufragado na apostasia, perdido totalmente sua identidade cristã.
O apologeta cristão Francis Schaeffer corretamente nos alertou antes da sua morte em 1984, que a igreja passaria por grandes desafios no século XXI:
A igreja tem futuro em nossa geração? (...) Creio que corre perigo. Está prestes a passar por maus bocados. Enfrentamos pressões presentes e uma manipulação presente e futura que se tornará tão intensa nos dias por vir a ponto de fazer as batalhas dos últimos 40 anos parecerem brincadeira de criança.[2]
Já vivemos uma era considerada pós cristã devido as suas posições éticas e morais completamente contrárias a nossa fé. É obvio que essa visão externa a igreja à afeta diretamente. Nossos membros vivem na segunda-feira outro universo diferente do que viveram no domingo. A questão é como o domingo os alimentou e instruiu para enfrentarem essa outra realidade durante o restante da semana. Eles precisam sair da igreja edificados pela Palavra, prontos para interpretar esse “universo ao lado” e não esmorecer diante dos ataques que sofrerão durante toda a semana.
Não estou fugindo do tema proposto. A Reforma mudou o mundo, moldou a cultura ocidental e sentimos seus efeitos positivos. Esses homens pregaram no poder do Espírito Santo, expondo fielmente as Escrituras para um mundo envolvido pelas trevas da ignorância e apostasia. Usaram os recursos da época como a imprensa para divulgarem a fé reformada. Em Genebra, nos dias de Calvino haviam aproximadamente 30 editoras[3]. O que revela a visão desses homens.
Hoje temos a internet, além de outras mídias. Muitos tem sido despertados a conhecer a Fé Reformada através de blogs reformados, canais no Youtube e pelo Facebook. Guardadas as devidas proporções, essa oportunidade de impacto é muito semelhante ao que foi a imprensa no século XVI. Todavia, a nossa maior falha consiste no pouco uso desses recursos e a falta de ousadia de enfrentamento cultural que esses homens do passado ousaram ter. Entendo que essa triste realidade se dá pelo fato de termos perdido ao longo tempo aquela ousadia e dependência de Deus que esses reformados tiveram!
Temos a tendência natural de nos esconder da realidade em nosso “castelo cristão”, como afirmou John Stott sobre as duas possibilidades que envolve a atitude cristã frente aos desafios que o cercam:
...No fim, existem apenas duas atitudes possíveis que os cristãos podem adotar em relação ao mundo. Uma é a fuga e a outra é o envolvimento...Acomodação significa virar as costas para o mundo, em rejeição, lavando as mãos...e cobrindo o coração com aço contra seus gritos agonizantes de pedida de ajuda. Em contrapartida, envolvimento significa voltar a face para o mundo, em compaixão, sujando nossas mãos, machucando-as e usando-as em serviço deste, e sentindo no mais profundo de nosso intimo o agir do amor de Deus, que não pode ser contido.
...muitos de nós evangélicos já fomos ou ainda somos acomodados irresponsáveis...É claro que fazemos incursões evangelísticas casuais no território inimigo (essa é a nossa especialidade evangélica), mas depois nos retraímos novamente, do outro lado do fosso, em nosso castelo cristão – a segurança da nossa própria comunhão evangélica -, puxamos nossa ponte levadiça e até tampamos os ouvidos para os clamores daqueles que batem no portão...[4]
Embora eu tenha demonstrado singelamente que os desafios que enfrentamos são outros, diferentes daqueles enfrentados no século XVI. As armas que utilizamos são as mesmas, a pregação fiel da Palavra. Os opositores dos reformados do século XVI e do século XVII temiam a pregação desses homens. A pregação era o centro da atuação da igreja. Eram púlpitos fortes que tornavam igrejas fortes e militantes. Temos que pregar com a mesma convicção que os reformados do século XVI pregaram, somente o Evangelho pode destruir fortalezas, anular sofismas e toda altivez que se levante contra o conhecimento de Deus (2Co 10. 3-6).
O teólogo e pastor de Genebra, João Calvino disse aos pregadores de seu tempo:
Que os pregadores enfrentem todas as coisas sem medo, por meio da Palavra de Deus, da qual foram constituídos administradores. Que eles reúnam todo o poder, toda a glória e excelência do mundo a fim de conferir a primazia à divina majestade desta Palavra. Que, por meio dela, comandem a todos, desde a pessoa mais notável até a mais simples. Que edifiquem o corpo de Cristo. Que devastem o reino de Satanás. Que apascentem as ovelhas, matem os lobos, instruam e exortem os rebeldes. Que juntem e separem, que clamem com veemência, se for necessário, mas que façam todas as coisas de acordo com a Palavra de Deus.[5]
Precisamos de pregadores que não temam nada, a não ser o Senhor. Homens que ousadamente preguem a Escritura sem medo de serem reprovados pelos ouvintes (2Tm 4. 1-5). Que tenham diante de seus olhos a majestade de Deus! Que creiam realmente que a pregação fiel da Palavra pode mudar as pessoas, mudar a igreja e transtornar o mundo (At 17.6)!
O príncipe dos pregadores Charles Spurgeon se sentia constantemente emocionado com a Palavra de Deus:
As palavras da Escritura emocionam a minha alma como nada mais. Elas me erguem às alturas ou me arremessam para o chão. Rasgam-me em pedaços ou me edificam. As palavras de Deus têm muito mais poder que os dedos de Davi ao dedilhar sua harpa.[6]
Muitos pregadores no meio reformado estão mais preocupados em pregar o que imaginam do que o ensino da Palavra. Usam o púlpito para contar suas histórias de vida e piadas, ao invés de expor o ensino da passagem bíblica. Como afirmou Stuart Olyott:
Pecamos quando pregamos aquilo que achamos que as Escrituras afirmam, e não pregamos o seu verdadeiro significado. Também pecamos quando pregamos os pensamentos que a Palavra desperta em nosso intelecto e não aquilo que a Palavra realmente declara. Um arauto é um traidor, se não transmite exatamente o que o Rei diz.[7]
A missão do pregador é transmitir o que Deus fala por meio da sua Palavra! A tarefa de pregar a Palavra de Deus é sem dúvida, de grande responsabilidade para o crente. Não se trata de apenas ter habilidades de comunicação e facilidade para expor com clareza e didática. A vida do pregador está envolvida nessa missão grandiosa! O caráter do mensageiro, seu coração contrito, seu intelecto, suas convicções bíblicas e seu esforço em esmerar-se, devem compor um conjunto harmonioso para a glória de Deus e para a edificação da igreja.
O pastor puritano Richard Baxter exorta os pregadores a não confiarem em seus árduos conhecimentos teológicos ou excelentes pregações:
Árduos estudos, muito conhecimento e pregações excelentes são mais gloriosos, porém também são pecados de hipocrisia quando feitos para a nossa própria glória.
Em nossos dias a pregação tem sido banalizada por causa de falsos pregadores, que utilizam o púlpito para explorar os crentes. Estes falsos pregadores serão confrontados pelo Supremo Pastor no dia do juízo, por serem infiéis e servirem como instrumentos de heresia e apostasia (2Pd 1-22). Nós pastores conservadores, porém, devemos pregar com temor e tremor diante do Senhor, cuidando primeiramente de nossas vidas e como resultado, expondo fielmente o ensino do texto.
Somos desafiados a manter-nos firmados nas Escrituras, moldar a nossa vida, culto e relacionamentos por ela e não por essa cultura anti Deus. É preciso que reafirmemos sempre as mesmas verdades defendidas pelos reformados do passado, por serem elas bíblicas e portanto imutáveis. Contudo, é necessário fazermos uma leitura correta do nosso tempo com os seus próprios desafios. Essa leitura deve ser feita através do mesmo óculos que eles usaram no século XVI, a Escritura.
Não podemos nos dobrar diante desse tempo, morramos em pé, batalhando pela fé que de uma vez por todas foi entregue aos santos (Jd 3)! Dobremos somente diante do Senhor e da autoridade da Palavra! Sabendo que a nossa luta no Senhor não é vã (1Co 15.58)! Combatamos o bom combate até o fim de nossa caminhada, tendo a certeza que a coroa da justiça está guardada para nós e para todos aqueles que amam a vinda do Senhor Jesus (2Tm 4. 6-8)! Vamos declarar com os nossos pais do século XVI: Somente a Escritura (SOLA SCRIPTURA); Somente Cristo (SOLO CHRISTUS); Somente a Graça (SOLA GRATIA); Somente a Fé (SOLA FIDE) e Somente a Glória a Deus (SOLI DEO GLORIA)! Amém.
Reverendo Márcio Willian Chaveiro



[1] BEEKE, Joel, Vivendo para a Glória de Deus, FIEL, 2008, p. 23
[2] BAXTER, Richard, O Pastor Aprovado, PES, 1996, pp. 35-36
[3] BEEKE, Joel, 2008, p. 24
[4] STOTT, John, Os Cristãos e os Desafios Contemporâneos, Ultimato, 2006, pp. 24-25
[5] LAWSON, Steven J., A Arte Expositiva de João Calvino, FIEL, 2008, pp. 37-38
[6]LAWSON, Steven J., O Foco Evangélico de Charles Spurgeon, FIEL, 2012, p. 39
[7]OLYOTT, Stuart, Pregação Pura e Simples, FIEL, 2008, p. 29

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