O termo “Reforma” é usado por historiadores e
teólogos para se referir ao movimento da Europa ocidental no século XVI e teve início com
expoentes como Martinho Lutero, Huldrych Zwinglio e João Calvino que promoveram
a reforma moral, teológica e institucional da Igreja cristã nessa região. A
reforma teve questões sociais,
políticas e econômicas envolvidas. Existia um interesse por parte de muitos
líderes políticos de viverem livres das imposições do papado. Contudo, esses
teólogos e outros, combateram o paganismo e apostasia da igreja romana,
trazendo a igreja cristã de volta as Escrituras.
Os reformadores enfrentaram muitos desafios,
como abandono da Escritura, indulgências, idolatria, domínio da igreja através
do papado, misticismo e paganismo que imperava naqueles dias e outros. Podemos
dizer em suma que a Igreja Romana defendia naqueles dias: 1) Somente a
Escritura e a Tradição; 2) Somente a Fé e as obras; 3) Somente a Graça e os
méritos; 4) Somente Cristo, Maria e a intercessão dos santos; 5) somente Deus,
os santos e a hierarquia da igreja.[1]
Haviam aspectos políticos de dominação por parte da igreja romana e vários
outros desafios. Mas os Reformadores se levantaram ousadamente contra todo esse
sistema e no poder do Espírito Santo de Deus, pregando somente a Escritura,
somente Cristo, somente a Graça, somente a Fé e somente a glória a Deus,
mudaram o mundo da época através dessa firme convicção, e sentimos seus efeitos
em nossos dias, depois de 500anos.
Hoje temos outros desafios, alguns poucos são
em essência os mesmos, como o desprezo pela Escritura, o misticismo e o
paganismo vivenciado pela igreja evangélica. Todavia, existem outros desafios
que diferem em muito ao do período dos reformados, como o socialismo,
feminismo, ateísmo e islamismo, que juntos tem configurado a nossa cultura e
atacado a nossa fé com todas as forças! A igreja do século XXI consciente e
inconscientemente tem sido moldada por esses pressupostos culturais. Muitos na
tentativa de dialogar desenfreadamente tem naufragado na apostasia, perdido
totalmente sua identidade cristã.
O apologeta cristão Francis Schaeffer
corretamente nos alertou antes da sua morte em 1984, que a igreja passaria por
grandes desafios no século XXI:
“A igreja tem
futuro em nossa geração? (...) Creio que corre perigo. Está prestes a passar
por maus bocados. Enfrentamos pressões presentes e uma manipulação presente e
futura que se tornará tão intensa nos dias por vir a ponto de fazer as batalhas
dos últimos 40 anos parecerem brincadeira de criança”.[2]
Já vivemos uma era considerada pós cristã devido as suas posições éticas e morais completamente contrárias a nossa fé. É
obvio que essa visão externa a igreja à afeta diretamente. Nossos membros
vivem na segunda-feira outro universo diferente do que viveram no
domingo. A questão é como o domingo os alimentou e instruiu para enfrentarem
essa outra realidade durante o restante da semana. Eles precisam sair da igreja edificados pela Palavra, prontos para
interpretar esse “universo ao lado” e não esmorecer diante dos ataques que sofrerão durante
toda a semana.
Não estou fugindo do tema proposto. A Reforma mudou o mundo,
moldou a cultura ocidental e sentimos seus efeitos positivos. Esses homens
pregaram no poder do Espírito Santo, expondo fielmente as Escrituras para um
mundo envolvido pelas trevas da ignorância e apostasia. Usaram os recursos da
época como a imprensa para divulgarem a fé reformada. Em Genebra, nos dias de Calvino haviam aproximadamente 30 editoras[3]. O
que revela a visão desses homens.
Hoje temos a internet, além de outras mídias. Muitos tem sido
despertados a conhecer a Fé Reformada através de blogs reformados, canais no
Youtube e pelo Facebook. Guardadas as devidas proporções, essa oportunidade de
impacto é muito semelhante ao que foi a imprensa no século XVI. Todavia, a
nossa maior falha consiste
no pouco uso desses recursos e
a falta de ousadia de enfrentamento cultural que esses homens do passado
ousaram ter. Entendo que essa triste realidade se dá pelo fato de termos
perdido ao longo tempo aquela ousadia e dependência de Deus que esses
reformados tiveram!
Temos a tendência natural de nos esconder da realidade em nosso
“castelo cristão”, como afirmou John Stott sobre as duas possibilidades que
envolve a atitude cristã frente aos desafios que o cercam:
...No
fim, existem apenas duas atitudes possíveis que os cristãos podem adotar em
relação ao mundo. Uma é a fuga e a outra é o envolvimento...Acomodação
significa virar as costas para o mundo, em rejeição, lavando as mãos...e
cobrindo o coração com aço contra seus gritos agonizantes de pedida de ajuda.
Em contrapartida, envolvimento significa voltar a face para o mundo, em
compaixão, sujando nossas mãos, machucando-as e usando-as em serviço deste, e
sentindo no mais profundo de nosso intimo o agir do amor de Deus, que não pode
ser contido.
...muitos
de nós evangélicos já fomos ou ainda somos acomodados irresponsáveis...É claro
que fazemos incursões evangelísticas casuais no território inimigo (essa é a
nossa especialidade evangélica), mas depois nos retraímos novamente, do outro
lado do fosso, em nosso castelo cristão – a segurança da nossa própria comunhão
evangélica -, puxamos nossa ponte levadiça e até tampamos os ouvidos para os
clamores daqueles que batem no portão...[4]
Embora eu tenha demonstrado singelamente que os desafios que
enfrentamos são outros, diferentes daqueles enfrentados no século XVI. As armas
que utilizamos são as mesmas, a pregação fiel da Palavra. Os opositores dos
reformados do século XVI e do século XVII temiam a pregação desses homens. A
pregação era o centro da atuação da igreja. Eram púlpitos fortes que tornavam
igrejas fortes e militantes. Temos que pregar com a mesma convicção que os
reformados do século XVI pregaram, somente o Evangelho pode destruir
fortalezas, anular sofismas e toda altivez que se levante contra o conhecimento
de Deus (2Co 10. 3-6).
O teólogo e pastor de Genebra, João Calvino disse aos pregadores
de seu tempo:
“Que
os pregadores enfrentem todas as coisas sem medo, por meio da Palavra de Deus,
da qual foram constituídos administradores. Que eles reúnam todo o poder, toda
a glória e excelência do mundo a fim de conferir a primazia à divina majestade
desta Palavra. Que, por meio dela, comandem a todos, desde a pessoa mais
notável até a mais simples. Que edifiquem o corpo de Cristo. Que devastem o
reino de Satanás. Que apascentem as ovelhas, matem os lobos, instruam e exortem
os rebeldes. Que juntem e separem, que clamem com veemência, se for necessário,
mas que façam todas as coisas de acordo com a Palavra de Deus.”[5]
Precisamos de pregadores que não temam nada, a não ser o Senhor.
Homens que ousadamente preguem a Escritura sem medo de serem reprovados pelos
ouvintes (2Tm 4. 1-5). Que tenham diante de seus olhos a majestade de Deus! Que
creiam realmente que a pregação fiel da Palavra pode mudar as pessoas, mudar a
igreja e transtornar o mundo (At 17.6)!
O
príncipe dos pregadores Charles Spurgeon se sentia constantemente emocionado
com a Palavra de Deus:
“As palavras da Escritura emocionam a
minha alma como nada mais. Elas me erguem às alturas ou me arremessam para o
chão. Rasgam-me em pedaços ou me edificam. As palavras de Deus têm muito mais
poder que os dedos de Davi ao dedilhar sua harpa”.[6]
Muitos
pregadores no meio reformado estão mais preocupados em pregar o que imaginam do
que o ensino da Palavra. Usam o púlpito para contar suas histórias de vida e piadas, ao invés de expor o
ensino da passagem bíblica. Como afirmou Stuart Olyott:
“Pecamos quando pregamos aquilo que
achamos que as Escrituras afirmam, e não pregamos o seu verdadeiro significado.
Também pecamos quando pregamos os pensamentos que a Palavra desperta em nosso
intelecto e não aquilo que a Palavra realmente declara. Um arauto é um traidor,
se não transmite exatamente o que o Rei diz”.[7]
A
missão do pregador é transmitir o que Deus fala por meio da sua Palavra! A
tarefa de pregar a Palavra de Deus é sem dúvida, de
grande responsabilidade para o crente. Não se trata de apenas ter habilidades
de comunicação e facilidade para expor com clareza e didática. A vida do
pregador está envolvida nessa missão grandiosa! O caráter do mensageiro, seu
coração contrito, seu intelecto, suas convicções bíblicas e seu esforço em
esmerar-se, devem compor um conjunto harmonioso para a glória de Deus e para a
edificação da igreja.
O
pastor puritano Richard Baxter exorta os pregadores a não confiarem em seus
árduos conhecimentos teológicos ou excelentes pregações:
“Árduos estudos, muito
conhecimento e pregações excelentes são mais gloriosos, porém também são pecados
de hipocrisia quando feitos para a nossa própria glória.”
Em
nossos dias a pregação tem sido banalizada por causa de falsos pregadores, que
utilizam o púlpito para explorar os crentes. Estes falsos pregadores serão
confrontados pelo Supremo Pastor
no dia do juízo, por serem
infiéis e servirem como instrumentos de heresia e apostasia (2Pd 1-22). Nós
pastores conservadores, porém, devemos pregar com temor e tremor diante do
Senhor, cuidando primeiramente de nossas vidas e como resultado, expondo fielmente
o ensino do texto.
Somos desafiados a manter-nos firmados nas Escrituras, moldar a
nossa vida, culto e relacionamentos por ela e não por essa cultura anti Deus. É
preciso que reafirmemos sempre as mesmas verdades defendidas pelos reformados
do passado, por serem elas bíblicas e portanto imutáveis. Contudo, é necessário
fazermos uma leitura correta do nosso tempo com os seus próprios desafios. Essa
leitura deve ser feita através do mesmo óculos que eles usaram no século XVI, a
Escritura.
Não podemos nos dobrar diante desse tempo, morramos em pé,
batalhando pela fé que de uma vez por todas foi entregue aos santos (Jd 3)!
Dobremos somente diante do Senhor e da autoridade da Palavra! Sabendo que a
nossa luta no Senhor não é vã (1Co 15.58)! Combatamos o bom combate até o fim
de nossa caminhada, tendo a certeza que a coroa da justiça está guardada para
nós e para todos aqueles que amam a vinda do Senhor Jesus (2Tm 4. 6-8)! Vamos
declarar com os nossos pais do século XVI: Somente
a Escritura (SOLA SCRIPTURA); Somente Cristo (SOLO CHRISTUS); Somente a Graça
(SOLA GRATIA); Somente a Fé (SOLA FIDE) e Somente a Glória a Deus (SOLI DEO
GLORIA)! Amém.
Reverendo Márcio Willian Chaveiro
[1]
BEEKE, Joel, Vivendo para a Glória de Deus, FIEL, 2008, p. 23
[2]
BAXTER, Richard, O Pastor Aprovado, PES, 1996, pp. 35-36
[3] BEEKE,
Joel, 2008, p. 24
[4]
STOTT, John, Os Cristãos e os Desafios Contemporâneos, Ultimato, 2006, pp.
24-25
[5]
LAWSON, Steven J., A Arte Expositiva de João Calvino, FIEL, 2008, pp. 37-38
[6]LAWSON,
Steven J., O Foco Evangélico de Charles Spurgeon, FIEL, 2012, p. 39
[7]OLYOTT,
Stuart, Pregação Pura e Simples, FIEL, 2008, p. 29
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