Esse
ano comemoraremos 500 anos da Reforma Protestante. No século XVI a igreja vivia
nas trevas da ignorância espiritual, teológica, social e cultural. O domínio
tirano feito pela Igreja Romana era sufocante em todas as partes civilizadas no mundo da época. O povo não tinha
acesso à Escritura, somente o clero, por
isso a ignorância e manipulação religiosa abrangia praticamente a todo cristão. A maneira de enxergar
a vida era ditada pela igreja e não pelas Escrituras, com isso, não existia
entre o povo um claro entendimento da realidade.
Contudo, Deus na sua
providência levantou homens como Lutero, Calvino, Ulrich Zwinglio, Martin
Bucer, Felipe Melachthon, François Turretini e vários outros brilhantes e
piedosos teólogos. Normalmente enfatizamos apenas os gritos da Reforma,
conhecidos como os 5 Solas: Somente as Escrituras (Sola Scriptura),
Somente Cristo (Sola Christus), Somente a Graça (Sola Gratia),
Somente a Fé (Sola Fide) e Somente a
Glória a Deus (Soli Deo Gloria). Embora
a ênfase tenha sido teológica, um retorno a Escritura, não podemos deixar de
considerar que a Reforma foi também uma nova cosmovisão!
Mas o
que é Cosmovisão? O termo cosmovisão é a tradução de uma expressão alemã “weltanschauung” que significa “modo de
olhar o mundo”.[1]
Esse termo pode erroneamente ser visto como algo puramente acadêmico, como algo
sem sentido e sem qualquer importância para a nossa vida. Todavia é um termo prático e faz parte da nossa
realidade, Cosmovisão é a soma
total de suas crenças sobre o mundo, o conjunto de tudo que dirige suas
decisões e vida diária.[2]
Todo indivíduo tem uma cosmovisão! Cada um de nós enxerga a vida de um ponto de vista, que pode ser comum a outros
em muitos aspectos ou não.
Os reformados com sua ênfase na Escritura e não na tradição
religiosa como norma de vida e prática do cristão, mudaram a perspectiva de vida da cultura da época. A família, o
trabalho, a sociedade, a cultura, e principalmente a igreja, foram
reconstruídos sob a cosmovisão bíblica, desconstruindo toda distorção
edificada por séculos de ignorância. A arte e a ciência foram diretamente
afetados e o cristianismo começou a influenciar e produzir arte e ciência com
pressupostos bíblicos, sem desprezar o uso legítimo da razão.
Como efeito dessa avalanche cultural cristã, universidades importantes
até os nossos dias, como Harvard (EUA), Princeton (EUA), Cambridge (Reino
Unido), Oxford (Reino Unido), Stanford (EUA), Yale (EUA) e outras, foram
fundadas sob essa visão de influência cristã na cultura. A Reforma foi um
movimento teológico, mas também cultural, que abalou as estruturas do mundo com
o Evangelho!
O cristianismo sofreu muitos ataques em toda a sua história.
Devido a essa realidade, os teólogos buscavam responder as questões teológicas
que eram atacadas em seu tempo, como Trindade, as duas naturezas do Redentor, a
Igreja, inspiração das Escrituras e assim por diante. Esses tópicos eram
desenvolvidos na medida que hereges eram levantados. Contudo, foi um apologeta
escocês chamado James Orr (1844-1913)[3],
que se levantou pela primeira vez para formular uma cosmovisão reformada contra
os ataques culturais produzido pelos iluministas e liberais. Não significa que
anteriormente não existia uma cosmovisão reformada, mas não existia definições
claras como foram feitas por esse apologeta.
Outro brilhante apologeta reformado que merece destaque é
Abraham Kuyper (1837-1920). Ele foi ministro holandês, primeiro-ministro da
Holanda e fundador da Universidade Livre de Amsterdam. Nas suas famosas
palestras na Universidade de Princeton, quando falou do Calvinismo como a mais
adequada cosmovisão, expressou o seu maior desejo como cristão:
Um desejo tem sido a paixão predominante de
minha vida. Uma grande motivação tem agido como uma espora sobre minha mente e
alma. E antes que seja tarde, devo procurar cumprir este sagrado dever que é
posto sobre mim, pois o folego de vida pode me faltar. O dever é este: Que
apesar de toda oposição terrena, as santas ordenanças de Deus serão
estabelecidas novamente no lar, na escola e no Estado para o bem do povo; para
esculpir, por assim dizer, na consciência da nação as ordenanças do Senhor,
para que a Bíblia e a Criação deem testemunho, até a nação novamente render
homenagens a Deus.[4]
Vivemos dias de grande pressão cultural e
social contra a nossa forma de interpretar a realidade. Muitos jovens cristãos
vivem em nosso país um preconceito cultural por causa de ética e moral moldados
pela Escritura. O socialismo tem penetrado nas entranhas da cultura brasileira
e dominado todas as esferas de conhecimento. O ateísmo tem crescido
assustadoramente e arregimentado para si, muitos jovens, e muitos destes foram
criados em lares cristãos. A imoralidade e perversidade sexual tem alcançado as
nossas crianças através de livros escolares e mídia na TV e na internet. O
islamismo é a religião que mais cresce no mundo, e segundo projeções pode ser a
maior religião do mundo até 2050.[5] O
que devemos fazer diante dessa realidade?
Antes de falar o que
devemos fazer, quero dizer o que não devemos fazer. Não podemos usar aquela
desculpa costumeira que o fim está próximo e não podemos fazer nada! Sabemos
que vivemos os últimos dias desde a primeira vinda de Cristo e aguardamos
ansiosamente a consumação. Realmente com a proximidade da vinda de Cristo, a
oposição será progressivamente maior, até que manifeste o iníquo e este seja
vencido definitivamente por Cristo (1Ts 1.7-12). Mas essa verdade não justifica
a nossa negligência em desobedecer a Deus, por não ser sal e luz no mundo (Mt
5. 13-16). Não podemos alterar o plano de Deus na história, todavia,
independente do que acontecerá nos próximos anos, a Escritura nos ordena a
pregar, viver e impactar o mundo com o Evangelho (Mt 28. 18-20; At 1.8; Rm 12.
1-2; 13.11-14; 1 Co 15.58; Ef 5. 15-18; Fl 3. 12-16; Cl 3. 6-7; 1 Ts 2. 12)!
O que devemos fazer?
Precisamos compreender na teoria e na prática que ser cristão envolve todas as
áreas da nossa vida. A vida cristã não é departamentalizada. A forma como nos
relacionamos no namoro, noivado, casamento, família, trabalho, escola,
faculdade, sociedade e cultura, devem ser conforme a Escritura. Quando
não exercemos nossas funções e vocações para a glória de Deus, pecamos! A
igreja precisa sair dos seus portões e impactar o mundo. Como? Através da
correta instrução bíblica teológica, que prepare bem os membros para enfrentar
a “segunda-feira” como
verdadeiros servos e soldados do Reino de Cristo! A igreja tem que ser
instrumento para produzir cientistas, filósofos, psicólogos, músicos, artistas,
professores, engenheiros, médicos, políticos, sociólogos, que movidos pelos
pressupostos bíblicos desenvolvam suas áreas de atividade com uma cosmovisão
reformada.
Mas infelizmente a igreja
só ora para que Deus desperte jovens para o Seminário! Não quero dizer que essa
oração não é legitima, só que não pode ser apenas essa. A igreja tem que orar
para Deus despertar jovens para através de suas vocações profissionais
glorifiquem a Cristo e impactem a sociedade e a cultura.
Outro aspecto que não
posso deixar de expor é que a igreja não pode ficar apenas na oração. A oração
é essencial para expressar a nossa fé e dependência de Deus. Contudo, pode
servir como desculpa para o fracasso! Como? Se a igreja local não investe em ensino teológico, a começar do
púlpito, e estendendo-se para Escola Dominical, Estudos Bíblicos, reuniões, ou
seja, em todas as oportunidades de ensino da Escritura (2Tm 3.16-17), não
servirá como instrumento de Deus para tal despertamento e preparo desses
jovens. É preciso ter exposições profundas da Escritura e aplicação adequada
para a realidade da igreja e os desafios que ela enfrenta. A pregação é central
para o crescimento, desenvolvimento e maturidade de uma igreja, e a arma mais
poderosa do mundo, como afirmou Martyn Lloyd-Jones:
A obra de
pregação é a mais sublime, a mais importante e a mais gloriosa vocação para a
qual alguém pode ser chamado. Se você quer algo mais acrescentado a isso, eu
diria sem hesitação que a necessidade mais urgente da igreja cristã
contemporânea é a verdadeira
pregação. E, visto que esta é a maior e a mais urgente necessidade da igreja, é
obviamente a maior necessidade do mundo.[6]
A pregação expositiva foi
a marca dos reformadores. Essa arma poderosa mudou reinos e moldou a cultura de
muitos países. Se queremos ser uteis no Reino de Cristo neste século, é preciso
que se comece uma maior
exigência e esforço dos pregadores, professores de EBD e demais líderes que tem
a oportunidade de ensinar.
Quando
Paulo e Silas estiveram pela
primeira vez em Tessalônica pregando o Evangelho, foi dito acerca deles (At 17.
6): “….Estes que têm transtornando o
mundo chegaram também aqui.” Quisera que a mídia falasse assim de nós por
Deus nos usar como instrumentos nas suas mãos para abalar e transtornar o mundo
com o Evangelho!
Concluo, dizendo que a
Reforma foi uma nova forma de enxergar a vida. Nova, não nos sentido de nunca
ter existido essa cosmovisão, mas em relação a cegueira espiritual, teológica e cultural, que prevalecia naqueles
dias por séculos. Da mesma maneira, podemos crer que segundo a vontade soberana
de Deus, podemos ser usados para que o mundo novamente “sofra” o impacto dessa
cosmovisão! Mas se isso não ocorrer em nosso tempo ou no futuro (antes da volta
do Redentor), que morramos em pé diante dos adversários batalhando pela fé que
uma vez por todas foi entregue aos santos (Jd 3)! A Ele seja a glória hoje e
pelos séculos dos séculos! Amém.
Reverendo Márcio Willian
Chaveiro
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