Para
entendermos o nosso tempo é preciso olhar para o passado e fazer uma leitura
adequada. A única forma adequada de analisar o passado é através da Escritura e
não dos nossos pressupostos falhos. O que temos vivenciado não é fruto de
acontecimentos presentes, mas resultante de acontecimentos passados, de ideais defendidas,
de cultura antropocêntrica construída aos poucos. Seria no mínimo inocente
intentar compreender as mudanças da nossa época sem considerar adequadamente as
mudanças culturais ocorridas desde o século XVI, com o surgimento da Reforma
Protestante.
Primeiro Período: Renascença
O primeiro período que destaco para nossa análise rápida é a chamada
Renascença. A renascença surgiu no mesmo período da Reforma
Protestante, como um movimento puramente humanista e revolucionário. Foi uma
forma de se libertar o homem da escravidão religiosa operada pela Igreja Romana.
Com isso, as pessoas tiveram liberdade de pensar, questionar e desenvolver a
cultura racionalista. A duração da renascença para alguns estudiosos é entre o
século 14 ao século 17. O pensamento renascentista envolveu todos os ramos da
sociedade e cultura da Europa, a vida política e econômica, tudo foi alcançado
por esse pensamento de liberdade de pensamento, o homem no centro.
Os protestantes, embora defendessem a liberdade do pensamento, eram
firmes em pregar a centralidade das Escrituras, sendo elas a fonte de se pensar
corretamente acerca de Deus e de si mesmo. O padrão de moral, de conduta, de
ética, de família, para os reformados surgia sempre da Escritura e não da razão
humana simplesmente.
Apesar da Renascença e a Reforma Protestante terem sido
contemporâneas, tratando de assuntos similares, as respostas foram
completamente diferentes em razão dos seus pressupostos serem radicalmente
opostos, na primeira a razão humana é juiz da verdade, na segunda a Escritura é
detentora da verdade. Na Reforma, o ponto de partida não é o homem;
ele não é considerado “a medida
de todas as coisas”, antes, a sua dignidade consistia em ter
sido criado à imagem de Deus. Portanto, a dissociação entre a Renascença e a
Reforma teria de ser como foi: inevitável.
Segundo Período: O
Iluminismo
O segundo período é resultante do primeiro, o Iluminismo. Nesse
ponto, a razão humana toma o lugar de “juiz da verdade”. Pai
do Iluminismo foi para muitos o filosofo René Descartes (1596-1650),
introduzindo a dúvida como princípio de raciocínio, o processo de duvidar
levaria a investigação e a certeza. Imannuel Kant definiu o
iluminismo com a seguinte frase: O iluminismo é a libertação do homem
da tutela que ele impôs sobre si mesmo...Tenha coragem de
usar sua própria razão...[1] A
verdade pode ser encontrada através do raciocínio adequado do homem. A Bíblia
não é a verdade central, mas a razão humana. O desenvolvimento da ciência a
partir do século XIX foi a grande propulsora desse movimento ateísta ou agnóstico.
O homem se encheu de utopias quanto ao futuro da humanidade sem Deus, o que foi
frustrado com: 1ª e 2ª Guerras Mundiais; o Nazismo de Hitler; a Queda do Muro
de Berlim; a Guerra Fria entre EUA e União Soviética e outros! Contudo, suas
raízes e consequências sobre as ideologias permanecem até os nossos dias!
Terceiro Período: A
Pós-modernidade
O
terceiro período que destaco é o que vivemos, a pós modernidade. Com o ideal do
iluminismo que a humanidade viveria em plena harmonia com uso adequado da
razão, o mundo descobriu da forma mais dolorosa que isso é impossível. Como
destaquei no ponto anterior, a frustração foi grande demais para o iluminismo,
e com essa frustração em criar um mundo melhor a partir da razão pura, veio o
desejo de criar uma realidade ideal a partir do subjetivismo, da experiência,
do coração! Surge dentre outras características, o pragmatismo, que se baseia
na experiência como padrão da verdade a ser buscada. Se você experimentou e deu certo, trouxe felicidade pra sua vida, então
é essa a verdade que deve buscar! Afirmam os pós modernos pragmáticos! Esse
pensamento pragmático tem confrontado diretamente a família cristã, porque é
tida como um padrão antigo, que não traz felicidade ao homem, e por isso
qualquer modelo familiar é possível, desde que faça você feliz!
Para
a pós modernidade não existe um padrão absoluto de família. Nessa visão
contemporânea a família no formato como conhecemos e defendemos, é fruto de uma
visão primitiva, e as novas formas de família são resultantes de uma evolução
da humanidade. Como expressa a Drª. Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf[2] em sua tese de doutorado
em Direito Civil pela USP, destaco os pontos principais
defendida em sua tese:[3]
§ O conceito de família pós-moderno defende as diversas modalidades de
família.
§ Defende o respeito as particularidades de cada componente familiar, seus
valores, necessidades e potencialidades.
§ As famílias da pós-modernidade são fundamentadas no: prazer
pessoal, identidade pessoal, afetividade,...
§ A formação bíblica de família é considerada “primitiva” e as
formas atuais são aceitas como frutos de evolução social.
§ O Governo é “laico” (não tem influencia religiosa),
portanto reconhece todos os possíveis conceitos de família praticados pela
sociedade.
§ Conceito de família expandiu-se...para além da família
tradicional oriunda do casamento, alcançando outras formas,
que protegendo a identidade do ser humano, adquirem um caráter
eminentemente social.
§ Discordar desses conceitos de família constitui “discriminação” e uma
desvalorização do ser humano, da sua dignidade, e liberdade.
§ A mudança na Constituição Federal em 1988, reconhecendo a união estável
e monopaternidade como entidades familiares, proporcionou os fundamentos para a
formação familiar homossexual e estados interssexuais.
A
tese da Doutora Adriana representa muito bem o pensamento da nossa época com
relação a família e suas várias modalidades. Vivemos no século XXI um ataque
constante ao casamento e a família nos moldes das Escrituras. As concepções
culturais atuais defendem que o casamento na forma bíblica é primitiva e que os
novos modelos de casamento são frutos de uma evolução da humanidade.
Todo
tipo de casamento é aceito, formas de união, são permitidos. Nossos filhos
quando casarem viverão dias mais difíceis ainda que os nossos. A razão para
esse pensamento é puramente cultural, o “EU” está no centro através de suas
experiências, sentimentos e vontades. O que importa é você ser feliz, mesmo que
isso não se encaixe nos padrões estabelecidos por Deus.
O
filosofo brasileiro Mario Sérgio Cortella em uma entrevista no programa Jô
Soares[4] definiu a ética como o conjunto de
valores que você usa para decidir o seu modo de vida. É necessário resolver as
grandes questões da vida, tais como: O
quero. O que Devo; O que Posso.
Ele exemplifica da seguinte forma: “Tem coisa que quero,
mas não posso. Tem coisa que devo, mas não
posso. Tem coisa que posso, mas não devo.” Para
ele a paz de espírito seria: “É
quando o que você quer é o que você pode, e é o que deve.” O Jô Soares o
perguntou quem é que define isso? Ele respondeu: “é definido por princípios
da sociedade, religiosos ou não, através de normatizações,...” Logo
para ele e para a filosofia, o modo de vida ético de uma pessoa é moldado pelas
concepções sociais de cada tempo. Ou seja, é a experiência social e
cultural de cada tempo, em última análise o pensamento do homem.
O
que quero dizer com todas essas citações é o real pensamento moderno com
relação a vida e suas relações sejam conjugais ou familiares. Esse pensamento
se apoia totalmente na experiência humana e não das Escrituras. O que “quero”;
“devo” e “posso”, deve ser regida por um padrão perfeito que é a Escritura e
não a experiência humana ou padrões humanos. A ética ou comportamento cristão é
regido pela Escritura e não por preceitos de homens.
Considerações Finais
A
formação familiar estabelecida por Deus é o caminho da felicidade no lar. Deus
não reconhece outra forma a não ser esta para a família, logo, não podemos
concordar com qualquer constituição familiar que não seja a constituída pelo
Criador (Gn 2. 18-25). Sabemos que a união de um homem e uma mulher no
casamento foi primeiramente para promover felicidade mutua, segundo para a
formação de uma família, e terceiro para a construção saudável de uma sociedade.
Depois da Queda, o pecado desfigurou a imagem de Deus no homem e na mulher, e
consequentemente suas relações conjugais e familiar (Gn 3.16; 4.1-17). Todavia,
essa formação de imperfeitos e pecadores pode ser sustentada pela graça (Gn 6. 8-10).
Somente pela graça de Deus podemos enfrentar os desafios da relação conjugal e
familiar!
É
importante saber que o casamento entre dois crentes não é garantia de absoluta
felicidade, mas de luta para obedecer a Deus, trazendo como resultado a bênção
e a verdadeira felicidade. O casamento entre um homem e uma mulher
é cheia de desafios, para que possam viver em harmonia. São dois pecadores que
se unem, na tentativa de serem felizes. Todavia, encontram grandes barreiras
por toda a vida, em todo o momento, de várias formas e maneiras. Somente por
meio de orientações da Escritura e com a força que vem do Espírito Santo
podemos enfrentar os desafios internos e externos a nós, que tentam nos impedir
de construir uma relação conjugal correta e uma família conforme Deus instituiu
para o homem (Ef 4. 18-6.4)!
Reverendo Márcio
Willian Chaveiro
[1] STANLEY, Stanley J. Grenz & Roger E. Olson – A Teologia do Século 20
– Editora Cultura Cristã, 2003 - p. 20
[2]
Ela
é Doutora EM Direito Civil e Biodireito da Uni-FMU. Membro da Comissão de
Biodireito, Bioética e Biotecnologia da OAB/SP. Membro do Instituto dos
Advogados de São Paulo – IASP. Na sua tese ela defende os seguintes
pressupostos sobre a família e o direito civil destas
[3] MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf, “Novas Modalidades de
Família na Pós-modernidade”, 2010, Faculdade de Direito da USP – São
Paulo
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