terça-feira, 22 de outubro de 2013

A FAMILIA E OS DESAFIOS DA PÓS MODERNIDADE



Para entendermos o nosso tempo é preciso olhar para o passado e fazer uma leitura adequada. A única forma adequada de analisar o passado é através da Escritura e não dos nossos pressupostos falhos. O que temos vivenciado não é fruto de acontecimentos presentes, mas resultante de acontecimentos passados, de ideais defendidas, de cultura antropocêntrica construída aos poucos. Seria no mínimo inocente intentar compreender as mudanças da nossa época sem considerar adequadamente as mudanças culturais ocorridas desde o século XVI, com o surgimento da Reforma Protestante.

Primeiro Período: Renascença
O primeiro período que destaco para nossa análise rápida é a chamada Renascença. A renascença surgiu no mesmo período da Reforma Protestante, como um movimento puramente humanista e revolucionário. Foi uma forma de se libertar o homem da escravidão religiosa operada pela Igreja Romana. Com isso, as pessoas tiveram liberdade de pensar, questionar e desenvolver a cultura racionalista. A duração da renascença para alguns estudiosos é entre o século 14 ao século 17. O pensamento renascentista envolveu todos os ramos da sociedade e cultura da Europa, a vida política e econômica, tudo foi alcançado por esse pensamento de liberdade de pensamento, o homem no centro.
Os protestantes, embora defendessem a liberdade do pensamento, eram firmes em pregar a centralidade das Escrituras, sendo elas a fonte de se pensar corretamente acerca de Deus e de si mesmo. O padrão de moral, de conduta, de ética, de família, para os reformados surgia sempre da Escritura e não da razão humana simplesmente.
Apesar da Renascença e a  Reforma Protestante terem sido contemporâneas, tratando de assuntos similares, as respostas foram completamente diferentes em razão dos seus pressupostos serem radicalmente opostos, na primeira a razão humana é juiz da verdade, na segunda a Escritura é detentora  da verdade. Na Reforma, o ponto de partida não é o homem; ele não é considerado “a medida de todas as coisas”, antes, a sua dignidade consistia em ter sido criado à imagem de Deus. Portanto, a dissociação entre a Renascença e a Reforma teria de ser como foi: inevitável.
Segundo Período:  O Iluminismo
O segundo período é resultante do primeiro, o Iluminismo. Nesse ponto, a razão humana toma o lugar de “juiz da verdade”.  Pai do Iluminismo foi para muitos o filosofo René Descartes (1596-1650), introduzindo a dúvida como princípio de raciocínio, o processo de duvidar levaria a investigação e a certeza.  Imannuel Kant definiu o iluminismo com a seguinte frase: O iluminismo é a libertação do homem da tutela que ele impôs sobre si mesmo...Tenha coragem de usar sua própria razão...[1]  A verdade pode ser encontrada através do raciocínio adequado do homem. A Bíblia não é a verdade central, mas a razão humana. O desenvolvimento da ciência a partir do século XIX foi a grande propulsora desse movimento ateísta ou agnóstico. O homem se encheu de utopias quanto ao futuro da humanidade sem Deus, o que foi frustrado com: 1ª e 2ª Guerras Mundiais; o Nazismo de Hitler; a Queda do Muro de Berlim; a Guerra Fria entre EUA e União Soviética e outros! Contudo, suas raízes e consequências sobre as ideologias permanecem até os nossos dias!
Terceiro Período: A Pós-modernidade
O terceiro período que destaco é o que vivemos, a pós modernidade. Com o ideal do iluminismo que a humanidade viveria em plena harmonia com uso adequado da razão, o mundo descobriu da forma mais dolorosa que isso é impossível. Como destaquei no ponto anterior, a frustração foi grande demais para o iluminismo, e com essa frustração em criar um mundo melhor a partir da razão pura, veio o desejo de criar uma realidade ideal a partir do subjetivismo, da experiência, do coração! Surge dentre outras características, o pragmatismo, que se baseia na experiência como padrão da verdade a ser buscada. Se você experimentou e deu certo, trouxe felicidade pra sua vida, então é essa a verdade que deve buscar! Afirmam os pós modernos pragmáticos! Esse pensamento pragmático tem confrontado diretamente a família cristã, porque é tida como um padrão antigo, que não traz felicidade ao homem, e por isso qualquer modelo familiar é possível, desde que faça você feliz!
Para a pós modernidade não existe um padrão absoluto de família. Nessa visão contemporânea a família no formato como conhecemos e defendemos, é fruto de uma visão primitiva, e as novas formas de família são resultantes de uma evolução da humanidade. Como expressa a Drª. Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf[2] em sua tese de doutorado em Direito Civil pela USP, destaco os pontos principais defendida em sua tese:[3]
§  O conceito de família pós-moderno defende as diversas modalidades de família.
§  Defende o respeito as particularidades de cada componente familiar, seus valores, necessidades e potencialidades.
§  As famílias da pós-modernidade são fundamentadas no: prazer pessoal, identidade pessoal, afetividade,...
§  A formação bíblica de família é considerada “primitiva” e as formas atuais são aceitas como frutos de evolução social.
§  O Governo é “laico” (não tem influencia religiosa), portanto reconhece todos os possíveis conceitos de família praticados pela sociedade.
§  Conceito de família expandiu-se...para além da família tradicional oriunda do casamento, alcançando outras formas, que protegendo a identidade do ser humano, adquirem um caráter eminentemente social.
§  Discordar desses conceitos de família constitui “discriminação” e uma desvalorização do ser humano, da sua dignidade, e liberdade.
§  A mudança na Constituição Federal em 1988, reconhecendo a união estável e monopaternidade como entidades familiares, proporcionou os fundamentos para a formação familiar homossexual e estados interssexuais.
A tese da Doutora Adriana representa muito bem o pensamento da nossa época com relação a família e suas várias modalidades. Vivemos no século XXI um ataque constante ao casamento e a família nos moldes das Escrituras. As concepções culturais atuais defendem que o casamento na forma bíblica é primitiva e que os novos modelos de casamento são frutos de uma evolução da humanidade.
            Todo tipo de casamento é aceito, formas de união, são permitidos. Nossos filhos quando casarem viverão dias mais difíceis ainda que os nossos. A razão para esse pensamento é puramente cultural, o “EU” está no centro através de suas experiências, sentimentos e vontades. O que importa é você ser feliz, mesmo que isso não se encaixe nos padrões estabelecidos por Deus.
            O filosofo brasileiro Mario Sérgio Cortella em uma entrevista no programa Jô Soares[4] definiu a ética como o conjunto de valores que você usa para decidir o seu modo de vida. É necessário resolver as grandes questões da vida, tais como: O quero. O que Devo; O que Posso. Ele exemplifica da seguinte forma: “Tem coisa que quero, mas não posso. Tem coisa que devo, mas não posso. Tem coisa que posso, mas não devo.”  Para ele a paz de espírito seria: “É quando o que você quer é o que você pode, e é o que deve.” O Jô Soares o perguntou quem é que define isso? Ele respondeu: “é definido por princípios da sociedade, religiosos ou não, através de normatizações,...” Logo para ele e para a filosofia, o modo de vida ético de uma pessoa é moldado pelas concepções sociais de cada tempo. Ou seja, é a experiência social e cultural de cada tempo, em última análise o pensamento do homem.
            O que quero dizer com todas essas citações é o real pensamento moderno com relação a vida e suas relações sejam conjugais ou familiares. Esse pensamento se apoia totalmente na experiência humana e não das Escrituras. O que “quero”; “devo” e “posso”, deve ser regida por um padrão perfeito que é a Escritura e não a experiência humana ou padrões humanos. A ética ou comportamento cristão é regido pela Escritura e não por preceitos de homens.
Considerações Finais
A formação familiar estabelecida por Deus é o caminho da felicidade no lar. Deus não reconhece outra forma a não ser esta para a família, logo, não podemos concordar com qualquer constituição familiar que não seja a constituída pelo Criador (Gn 2. 18-25). Sabemos que a união de um homem e uma mulher no casamento foi primeiramente para promover felicidade mutua, segundo para a formação de uma família, e terceiro para a construção saudável de uma sociedade. Depois da Queda, o pecado desfigurou a imagem de Deus no homem e na mulher, e consequentemente suas relações conjugais e familiar (Gn 3.16; 4.1-17). Todavia, essa formação de imperfeitos e pecadores pode ser sustentada pela graça (Gn 6. 8-10). Somente pela graça de Deus podemos enfrentar os desafios da relação conjugal e familiar!
É importante saber que o casamento entre dois crentes não é garantia de absoluta felicidade, mas de luta para obedecer a Deus, trazendo como resultado a bênção e a verdadeira felicidade.   O casamento entre um homem e uma mulher é cheia de desafios, para que possam viver em harmonia. São dois pecadores que se unem, na tentativa de serem felizes. Todavia, encontram grandes barreiras por toda a vida, em todo o momento, de várias formas e maneiras. Somente por meio de orientações da Escritura e com a força que vem do Espírito Santo podemos enfrentar os desafios internos e externos a nós, que tentam nos impedir de construir uma relação conjugal correta e uma família conforme Deus instituiu para o homem (Ef 4. 18-6.4)!            
Reverendo Márcio Willian Chaveiro



[1] STANLEY, Stanley J. Grenz & Roger E. Olson – A Teologia do Século 20 – Editora Cultura Cristã, 2003 - p. 20

[2] Ela é Doutora EM Direito Civil e Biodireito da Uni-FMU. Membro da Comissão de Biodireito, Bioética e Biotecnologia da OAB/SP. Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP.  Na sua tese ela defende os seguintes pressupostos sobre a família e o direito civil destas
[3] MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf, “Novas Modalidades de Família na Pós-modernidade”,  2010, Faculdade de Direito da USP – São Paulo

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