sábado, 23 de agosto de 2014

O DÍZIMO É BÍBLICO OU NÃO PARA OS NOSSOS DIAS?


Tenho observado que muitos crentes têm dúvidas com relação a legitimidade bíblica do dizimo para a igreja. Alguns tem postado no facebook ou publicado vídeos no youtube condenando essa prática, com a argumentação que o Novo Testamento não ensina dizimar! Parte das motivações desses argumentos contrários a entrega do dízimo é teologia da prosperidade, com sua ênfase desonesta e materialista em torno da contribuição financeira. Devido a essa triste condição, muitos evangélicos decepcionados com a realidade da maior parte da igreja, tem se portado muitas vezes de forma desrespeitosa para com todos os pastores, dizendo que pastor é preguiçoso, interesseiro, que vive à custa do dinheiro dos outros e assim por diante! Esse raciocínio além de ser pecaminoso (1Tm 5.19) é fundamentado em uma primícia falsa, onde inicia com o argumento que se a maioria dos pastores tem roubado o rebanho, logo, todos os pastores que são sustentados financeiramente por suas igrejas, são preguiçosos e desonestos! Se eu concordasse com esse raciocínio, poderia fazer o mesmo com relação aos evangélicos no Brasil! Partindo do princípio que a maioria é desonesta, caloteira, imoral, logo, todo evangélico é caloteiro, imoral e desonesto! Obviamente não penso assim, sei que existem muitos crentes fiéis, sérios, piedosos e trabalhadores. Contudo, o mesmo é verdade com relação a muitos pastores que tem amado a igreja e doado suas vidas pelo Evangelho de Cristo e nada tem a ver com a teologia da prosperidade!         
            Voltando a questão do dízimo, entendo que para compreendermos sua continuidade ou descontinuidade no Novo Testamento dessa ordenança, precisamos abordar a Escritura como uma revelação progressiva, iniciando no começo, no princípio, de Gênesis e concluindo em Apocalipse. Outro aspecto importante, ao meu ver, é compreender que a Bíblia ensina a doutrina da aliança desde Gênesis 1, e percorrendo a revelação,  veremos que essa aliança é progressivamente confirmada e ampliada em sua aplicação.  É com essa perspectiva que desenvolverei este artigo.
1.     Dízimo: um reconhecimento que o Senhor é o Possuidor dos céus e da terra
O primeiro texto que cita claramente o dizimo é Gênesis 14. 18-20, quando Abraão entrega dízimos decorrentes da sua vitória sobre os cinco reis que haviam sequestrado seu sobrinho Ló (Gn 14. 1-17). Ele encontra com o sumo sacerdote Melquisedeque, rei de Salém (nome antigo de Jerusalém, cidade de paz)[1], e ao reconhecer o sacerdócio de Melquisedeque, como procedendo do Deus altíssimo, que o Novo Testamento afirma que prefigura o de Cristo, entregar o dizimo dos despojos de guerra (Hb 7. 4-10). Li um artigo que argumentava que não podemos utilizar esse exemplo de Abraão entregando dizimo a Melquisedeque para legitimar a prática hoje, porque teríamos que dizer que a circuncisão também deveria ser observada em todos os tempos pela igreja, porque Abraão praticou o rito da circuncisão (Gn17. 9-14)! Parece bem persuasivo esse argumento! Contudo, é falho, pois a circuncisão simbolizava a entrada do povo na comunidade da aliança, era um rito externo de purificação que simbolizava a purificação ou circuncisão do coração, então, no Novo Testamento foi naturalmente substituído pelo batismo, quanto a isso, creio que nenhum interprete com um mínimo de conhecimento discordará (Cl 2. 8-15)[2]! O mesmo argumento serve para o dízimo, no Novo Testamento ele assume proporções maiores de generosidade, de reconhecimento com gratidão por tudo que Deus é e faz pelo seu povo materialmente! O que mais adiante argumentarei com mais propriedade.
Se Abraão entregou dizimo a Melquisedeque, quem ensinou Abraão? Não poderíamos por inferência concluir que aprendeu de seus antepassados, que descende de Sem (Gn 10-32)? A bênção de Deus sobre Abraão dada por meio de Melquisedeque tem muitas semelhanças com a bênção com o “pai” de Abraão, Sem, dada por Noé (Gn 9.26). Portanto, creio que a entrega do dízimo de Abraão ocorreu como uma prática dos filhos da aliança! Ele deu do despojo, porque reconheceu que é o Senhor que lhe concedeu a vitória dele sobre os inimigos (14.20): e bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou os teus adversários nas tuas mãos. E de tudo lhe deu Abrão o dízimo. Ele dizima por reconhecer que Deus é o possuidor dos céus e da terra (verso 19) e porque o SENHOR deu a vitória sobre os inimigos, logo, entregar o dizimo é um ato de gratidão e reconhecimento pela providência de Deus em nossa vida!
Por último, para aqueles que provavelmente ao ler esse artigo dirão que não existe outro texto que mostra Abraão entregando dizimo da sua produção, digo que também não existe nenhum texto que afirma que não o fez! Mas temos esse texto que mostra claramente Abraão entregando naturalmente o dizimo a um sacerdócio reconhecido, na oportunidade que teve para fazer. Gostaria que os opositores explicassem a razão desse texto mencionar Abraão entregando dízimos, e não narrar Abraão oferecendo animais para o sacrifício expiatório? Podemos ver nas Escrituras que os patriarcas faziam o papel de sacerdotes ao oferecer sacrifícios por si mesmos e por suas famílias (Jó 1.5), então eles mesmos eram os que exerciam esse papel sacerdotal, mas com relação ao dizimo deveriam entregar para alguém que tivesse a função sacerdotal como Melquisedeque, caso contrário entregariam para quem o dizimo? Para eles mesmos?
O segundo texto que menciono é de Jacó fazendo o voto para entregar o dizimo ao Senhor (Gn 28. 18-22). Após ter tido uma visão em sonho da escada que ligava a terra ao céu, que o Novo Testamento interpreta a tipologia, dizendo que tipificava  Jesus (Jo 1.51). Os  versos 13-14 dizem que o SENHOR[3]  estava perto dessa escada e disse:
...Eu sou o SENHOR, Deus de Abraão, teu pai, e Deus de Isaque. A terra em que agora estás deitado, eu ta darei, a ti e à tua descendência. A tua descendência será como o pó da terra; esternder-te-às para o Ocidente e para o Oriente, para o Norte e para o Sul. Em ti e na tua descendência serão abençoadas todas as famílias da terra.
Que descendência é essa que Deus promete que será como o pó da terra? É a mesma promessa a Abraão (Gn 17. 1-8; 22. 15-19), que Paulo revela que é a Igreja (Rm 9. 6-12; 11.15-32). É o povo da aliança que será como o pó da terra, como uma multidão incontável (Ap 7.9), uma nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus (1 Pe 2.9)! Observe que é nesse contexto de aliança confirmada com Jacó e sua descendência, que ele decide, caso o Deus de seus pais, fosse com ele nessa jornada, entregaria dizimo (28.21-22). Jacó entregaria o dízimo porque aprendeu com seu pai Isaque, que aprendeu com seu pai Abraão, que aprendeu com seu pai Sem! E toda a descendência espiritual de Abraão deveria entregar o dizimo como cumprimento da aliança. Obviamente, não estou dizendo que entregar o dizimo é a única forma de andar na aliança, mas é sem dúvida é um aspecto do todo!
2.     Israel o Povo da Aliança no Antigo Testamento
A nação de Israel era a igreja no Antigo Testamento! Não existem dois povos de Deus na Bíblia, é um só, formado por judeus e gentios convertidos a Cristo (Ef 2. 11-22). No Antigo Testamento Israel era o agente do Reino de Deus na terra, no Novo é a Igreja o agente do Reino.
      A nação de Israel entregava o dizimo como parte da aliança e não como tributo ou imposto. O dizimo tinha o propósito de sustentar a tribo de Levi, os órfãos e as viúvas (Lv 27.30-34; Ml 3. 6-12; Pv 3.9-10; Ne 10.37-38). Então, existe um propósito de sustento “ministerial” e social para a nação de Israel. 
Não preciso argumentar muito sobre a ordem de Deus para Israel dizimar, porque esse ponto é pacífico entre os que defendem a continuidade do dizimo e os que defendem a descontinuidade. Mas é importante destacar que Israel só pratica a entrega do dizimo porque faz parte da aliança, assim como a circuncisão. Acompanhe o raciocínio com relação a progressividade das ordenanças de Deus, por exemplo com relação ao sábado, que é anterior ao próprio Abraão e a nação de Israel (Gn 2.1-3); que ao ser formada a nação de Israel, essa prática é formalizada e ampliada, com o sentido original de guardar, para adorar o Senhor por ser Ele o Criador de todas as coisas, e depois o sentido é ampliado, onde Ele deveria ser adorado por ser o Criador e Libertador de Israel do Egito (Êx 20. 8-11; Dt 5. 12-15); posteriormente a igreja (o Israel de Deus) guarda o domingo por uma razão mais ampla ainda, a ressurreição de Cristo (Mt 28. 1; Mc 16.1; Lc 24.1; Jo 20.1). Da mesma forma existe uma ampliação da ordem de contribuição na Escritura, que o próximo ponto abordará.
3.     A Igreja no Novo Testamento e o Dízimo
O raciocínio é o mesmo que tenho utilizado desde o início, o dizimo para a igreja no Novo Testamento é ampliado em seu sentido, porque a revelação é progressiva e a igreja é o agente do Reino de Deus em lugar da nação de Israel. A igreja é o Israel de Deus (Rm 11.26). Assim como, a circuncisão assume elemento novo, a água, pela sua ampliação revelatório, substituído pelo batismo; o sábado é substituído pelo domingo, por causa da ressureição de Cristo; os elementos da Páscoa são substituídos pelo pão e pelo cálice; porque tudo é sombra do que haveria de vir (Cl 2. 16-17), da mesma forma o dizimo é tratado pelos apóstolos como uma demonstração sincera de generosidade, muito mais amplo do que tinha o dizimo no Antigo Testamento.
Darei alguns exemplos que revelam que a contribuição financeira na igreja primitiva era algo que enfatizava generosidade e combate a avareza no coração. Antes, tenho que deixar claro que tudo na igreja primitiva é tratado como oferta, como doar a si mesmo, porque não tem mais templo, para ser levantado oferta para construção, existe ministério apostólico, órfãos e viúvas, evangelismo, beneficência. Contribuir é um ato de generosidade Cristã (Atos 4. 32,34,35, 36-37; At 6. 1-7; Rm 12.6-8), demonstram que é melhor dar do que receber! A contribuição cristã é fruto não de uma obrigação, ou de trocar por bênçãos, fazer negócio, pagar algum benefício de Deus, mas de gratidão, de generosidade, de despreendimento do material em prol do outro, em favor do reino, em benefício da causa de Cristo (Rm 12. 3-8)!
Outro aspecto que permanece na contribuição no Novo Testamento é o uso dela para sustento pastoral (1 Tm 5.17): Devem ser considerados merecedores de dobrados honorários os presbíteros que presidem bem, com especialidade os que se afadigam na palavra e no ensino. É uma obrigação da igreja sustentar quem vive integralmente para instruir o povo, que se afadiga na Palavra. Em seguida Paulo argumenta (verso 18): Pois a Escritura declara: Não amordaces o boi, quando pisa o trigo. E ainda: O trabalhador é digno do seu salário. Paulo esta interpretando o Antigo Testamento, no período de Israel, para legitimar o sustento pastoral (Dt 25.4 )! Quando Paulo defende seu direito de ser sustentado pela igreja entre outros direitos, afirma para a igreja de Corinto (1Co 9.7-9): Quem jamais vai à guerra a sua própria custa? Quem planta a vinha e não come do seu fruto? Ou quem  apascenta um rebanho e não se alimenta do leite do rebanho? Porventura, falo isto como homem ou não diz também a lei? Porque na lei de Moisés está escrito: Não atarás a boca ao boi, quando pisa o trigo. Acaso, é com bois que Deus se preocupa? No verso 11 afirma: Se nós vos semeamos as cousas espirituais será muito recolhermos de vós bens materiais? Ao escrever para os Gálatas disse (6.6): Mas aquele que está sendo instruído na palavra faça participante de todas as cousas boas aquele que o instrui. Ao receber oferta da igreja de Filipos diz que mais de uma vez eles enviaram donativos para o sustento dele (Fl 4. 16). Pastor é sustentado pela igreja para o serviço pastoral, não é sustentado para ficar rico, mas para viver dignamente! Assim, como os levitas eram sustentados para servir ao povo de Israel na instrução bíblica e sacerdócio, os ministros fiéis são sustentados pela igreja para a instruir na Palavra e pastorear conforme o pastoreio do Supremo Pastor, não como dominadores, ou por ganância, mas de boa vontade (1Pe 5. 1-4)!
A contribuição também deve ser usada para atender os necessitados da igreja. Paulo escreve para a igreja de Corinto dizendo para recolher ofertas para atender as igrejas da Judeia que passavam por necessidades, e utiliza o exemplo dos irmãos da Macedônia que ofertaram a si mesmos por essa causa (2 Co 8. 1-6; 9. 6-15;); Tiago diz que a atitude de omissão material para aquele irmão que carece do sustento é fé sem obras, portanto morta (Tg 2. 14-16); Paulo instrui Timóteo avaliar as que são realmente viúvas na igreja e as que não tinham nenhum filho para sustenta-las, para essas desprovidas de sustento e de filhos para ajudar, a igreja deve contribuir (1Tm 5. 3-4). Logo, aprendemos que os crentes devem contribuir para os necessitados materialmente da família da fé, e que sejam atendidos, dentro das condições da igreja (Gl 6.10). É o mesmo sentido que tinha o dizimo no Antigo Testamento, ajudar órfãos e viúvas, ou seja, os necessitados!
Considerações Finais
A Bíblia nos alerta quanto aos falso pastores que agem como ovelhas, mas internamente são lobos roubadores (Mt 7.15-23), e que fazem do povo comércio, introduzindo heresias destruidoras (2Pe 2. 1-3). O que temos presenciado em nossos dias é justamente essa realidade que Cristo e os apóstolos nos alertaram! Contudo, o juízo para estes falsos pastores está guardado!
Não podemos usar essa realidade triste no meio evangélico para condenar uma prática bíblica ou para colocar todos os pastores no mesmo nível. Na época dos apóstolos, já existiam falsos apóstolos, que levavam o povo de Deus a condenar os verdadeiros (2Co 11.13-15). O mesmo tem acontecido no século presente, por isso é importante que você possa discernir o certo do errado. Como fazer isso? Jesus afirmou que pelos seus frutos o conhecereis (Mt 7. 15-23)! Avalie o ministério com a Escritura e não com a cultura ou experiência religiosa que você teve ou tem.
A contribuição no Novo Testamento é mais ampla em seus propósitos e com maiores motivos para gratidão a Deus, pois vivemos nos últimos dias, Cristo já veio e em breve voltará para restaurar completamente seu povo! Logo, dizimar não é trocar por bênção, mas é um ato externo de reconhecimento que Ele é o Criador, Sustentador, Libertador e Redentor do seu povo! É um ato de amor, gratidão e generosidade cristã!
Pense sobre isso, não permita que pastores fraudulentos enganem você com promessas mentirosas de prosperidade! Mas também não permita que frustrados religiosos enganem dizendo que não deve contribuir com a expansão e edificação da igreja, que inclui naturalmente o dizimo e ofertas. Logo, entregar 10% do nossos sustento no Novo Testamento é a proporção mínima de uma atitude desprendida materialmente e generosa! Menos que isso não é generosidade, é mesquinhez, então, é melhor não entregar nada! Concluo com bom exemplo de um industrial crente e generoso, chamado R. G. Le Torneau, que afirmou: A questão não é quanto de meu dinheiro devo dar ao Senhor, mas: quanto do dinheiro do Senhor devo guardar para mim?[4]

Reverendo Márcio Willian Chaveiro



[1] http://pt.wikipedia.org/wiki/Melquisedeque
[2] Dr. Van Groningen comenta a instituição da circuncisão (GRONINGEN, Revelação Messiânica, 1995, Campinas, p. 127): “...o rito da circuncisão teria de ser adotado como um sinal ou selo de tudo o que Deus disse que Ele era para Abraão e seria para a sua semente (Gn 17. 10-14). A palavra de Deus seria confirmada pelo derramamento de sangue e purificação do órgão de geração da vida. Particularmente, a prática do rito, falaria da continuação da palavra de Deus às gerações vindouras e por meio delas, isto é, através da semente. Em Gn 3.15 foi registrado que haveria um derramamento de sangue por meio do esmagamento e por parte da semente da mulher; de maneira semelhante, um futuro seguro e por parte da promessa não poderia ser considerado sem derramamento de sangue.” O que podemos concluir desse argumento no sentido progressivo da revelação é que a circuncisão apontava para a purificação por meio do sangue, por causa de Gênesis 3.15 que posteriormente foi ampliado, e o Novo Testamento testemunha o cumprimento na cruz. Após a morte, ressurreição e ascensão de Cristo, o Espírito Santo foi derramado, a era messiânica e do Espírito foi inaugurado, e a agora o batismo assume o lugar da circuncisão, mas não muda o sentido básico de purificação e participação na aliança, contudo, o sentido é ampliado, não alterado.
[3] Propositalmente Moisés utiliza o nome YHWH por ser o nome usado em contexto de pacto (Gn 28.13): וְהִנֵּ֙ה יְהוָ֜ה
[4] http://en.wikipedia.org/wiki/R._G._LeTourneau

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