Tenho
observado que muitos crentes têm dúvidas com relação a legitimidade bíblica do
dizimo para a igreja. Alguns tem postado no facebook ou publicado vídeos no
youtube condenando essa prática, com a argumentação que o Novo Testamento não
ensina dizimar! Parte das motivações desses argumentos contrários a entrega do
dízimo é teologia da prosperidade, com sua ênfase desonesta e materialista em
torno da contribuição financeira. Devido a essa triste condição, muitos
evangélicos decepcionados com a realidade da maior parte da igreja, tem se
portado muitas vezes de forma desrespeitosa para com todos os pastores, dizendo
que pastor é preguiçoso, interesseiro, que vive à custa do dinheiro dos outros
e assim por diante! Esse raciocínio além de ser pecaminoso (1Tm 5.19) é
fundamentado em uma primícia falsa, onde inicia com o argumento que se a
maioria dos pastores tem roubado o rebanho, logo, todos os pastores que são
sustentados financeiramente por suas igrejas, são preguiçosos e desonestos! Se
eu concordasse com esse raciocínio, poderia fazer o mesmo com relação aos
evangélicos no Brasil! Partindo do princípio que a maioria é desonesta,
caloteira, imoral, logo, todo evangélico é caloteiro, imoral e desonesto!
Obviamente não penso assim, sei que existem muitos crentes fiéis, sérios,
piedosos e trabalhadores. Contudo, o mesmo é verdade com relação a muitos
pastores que tem amado a igreja e doado suas vidas pelo Evangelho de Cristo e
nada tem a ver com a teologia da prosperidade!
Voltando a questão do dízimo, entendo que para
compreendermos sua continuidade ou descontinuidade no Novo Testamento dessa
ordenança, precisamos abordar a Escritura como uma revelação progressiva,
iniciando no começo, no princípio, de Gênesis e concluindo em Apocalipse. Outro
aspecto importante, ao meu ver, é compreender que a Bíblia ensina a doutrina da
aliança desde Gênesis 1, e percorrendo a revelação, veremos que essa aliança é progressivamente confirmada
e ampliada em sua aplicação. É com essa
perspectiva que desenvolverei este artigo.
1.
Dízimo: um
reconhecimento que o Senhor é o Possuidor dos céus e da terra
O primeiro
texto que cita claramente o dizimo é Gênesis 14. 18-20, quando Abraão entrega
dízimos decorrentes da sua vitória sobre os cinco reis que haviam sequestrado
seu sobrinho Ló (Gn 14. 1-17). Ele encontra com o sumo sacerdote Melquisedeque,
rei de Salém (nome antigo de Jerusalém, cidade de paz)[1], e
ao reconhecer o sacerdócio de Melquisedeque, como procedendo do Deus altíssimo,
que o Novo Testamento afirma que prefigura o de Cristo, entregar o dizimo dos
despojos de guerra (Hb 7. 4-10). Li um artigo que argumentava que não podemos
utilizar esse exemplo de Abraão entregando dizimo a Melquisedeque para
legitimar a prática hoje, porque teríamos que dizer que a circuncisão também
deveria ser observada em todos os tempos pela igreja, porque Abraão praticou o
rito da circuncisão (Gn17. 9-14)! Parece bem persuasivo esse argumento!
Contudo, é falho, pois a circuncisão simbolizava a entrada do povo na comunidade
da aliança, era um rito externo de purificação que simbolizava a purificação ou
circuncisão do coração, então, no Novo Testamento foi naturalmente substituído
pelo batismo, quanto a isso, creio que nenhum interprete com um mínimo de
conhecimento discordará (Cl 2. 8-15)[2]! O
mesmo argumento serve para o dízimo, no Novo Testamento ele assume proporções
maiores de generosidade, de reconhecimento com gratidão por tudo que Deus é e
faz pelo seu povo materialmente! O que mais adiante argumentarei com mais
propriedade.
Se Abraão
entregou dizimo a Melquisedeque, quem ensinou Abraão? Não poderíamos por
inferência concluir que aprendeu de seus antepassados, que descende de Sem (Gn
10-32)? A bênção de Deus sobre Abraão dada por meio de Melquisedeque tem muitas
semelhanças com a bênção com o “pai” de Abraão, Sem, dada por Noé (Gn 9.26).
Portanto, creio que a entrega do dízimo de Abraão ocorreu como uma prática dos
filhos da aliança! Ele deu do despojo, porque reconheceu que é o Senhor que lhe
concedeu a vitória dele sobre os inimigos (14.20): e bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou os teus adversários nas
tuas mãos. E de tudo lhe deu Abrão o dízimo. Ele dizima por reconhecer que
Deus é o possuidor dos céus e da terra (verso 19) e porque o SENHOR deu a
vitória sobre os inimigos, logo, entregar o dizimo é um ato de gratidão e
reconhecimento pela providência de Deus em nossa vida!
Por último,
para aqueles que provavelmente ao ler esse artigo dirão que não existe outro
texto que mostra Abraão entregando dizimo da sua produção, digo que também não
existe nenhum texto que afirma que não o fez! Mas temos esse texto que mostra
claramente Abraão entregando naturalmente o dizimo a um sacerdócio reconhecido,
na oportunidade que teve para fazer. Gostaria que os opositores explicassem a
razão desse texto mencionar Abraão entregando dízimos, e não narrar Abraão
oferecendo animais para o sacrifício expiatório? Podemos ver nas Escrituras que
os patriarcas faziam o papel de sacerdotes ao oferecer sacrifícios por si
mesmos e por suas famílias (Jó 1.5), então eles mesmos eram os que exerciam
esse papel sacerdotal, mas com relação ao dizimo deveriam entregar para alguém
que tivesse a função sacerdotal como Melquisedeque, caso contrário entregariam
para quem o dizimo? Para eles mesmos?
O segundo
texto que menciono é de Jacó fazendo o voto para entregar o dizimo ao Senhor
(Gn 28. 18-22). Após ter tido uma visão em sonho da escada que ligava a terra
ao céu, que o Novo Testamento interpreta a tipologia, dizendo que tipificava Jesus (Jo 1.51). Os versos 13-14 dizem que o SENHOR[3] estava perto dessa escada e disse:
...Eu sou o SENHOR, Deus de Abraão, teu pai, e Deus de Isaque. A terra
em que agora estás deitado, eu ta darei, a ti e à tua descendência. A tua
descendência será como o pó da terra; esternder-te-às para o Ocidente e para o
Oriente, para o Norte e para o Sul. Em ti e na tua descendência serão
abençoadas todas as famílias da terra.
Que
descendência é essa que Deus promete que será como o pó da terra? É a mesma
promessa a Abraão (Gn 17. 1-8; 22. 15-19), que Paulo revela que é a Igreja (Rm
9. 6-12; 11.15-32). É o povo da aliança que será como o pó da terra, como uma
multidão incontável (Ap 7.9), uma nação santa, povo de propriedade exclusiva de
Deus (1 Pe 2.9)! Observe que é nesse contexto de aliança confirmada com Jacó e
sua descendência, que ele decide, caso o Deus de seus pais, fosse com ele nessa
jornada, entregaria dizimo (28.21-22). Jacó entregaria o dízimo porque aprendeu
com seu pai Isaque, que aprendeu com seu pai Abraão, que aprendeu com seu pai
Sem! E toda a descendência espiritual de Abraão deveria entregar o dizimo como
cumprimento da aliança. Obviamente, não estou dizendo que entregar o dizimo é a
única forma de andar na aliança, mas é sem dúvida é um aspecto do todo!
2.
Israel o
Povo da Aliança no Antigo Testamento
A nação de
Israel era a igreja no Antigo Testamento! Não existem dois povos de Deus na
Bíblia, é um só, formado por judeus e gentios convertidos a Cristo (Ef 2.
11-22). No Antigo Testamento Israel era o agente do Reino de Deus na terra, no
Novo é a Igreja o agente do Reino.
A nação de Israel entregava o dizimo como parte
da aliança e não como tributo ou imposto. O dizimo tinha o propósito de
sustentar a tribo de Levi, os órfãos e as viúvas (Lv 27.30-34; Ml 3. 6-12; Pv
3.9-10; Ne 10.37-38). Então, existe um propósito de sustento “ministerial” e
social para a nação de Israel.
Não preciso
argumentar muito sobre a ordem de Deus para Israel dizimar, porque esse ponto é
pacífico entre os que defendem a continuidade do dizimo e os que defendem a
descontinuidade. Mas é importante destacar que Israel só pratica a entrega do dizimo
porque faz parte da aliança, assim como a circuncisão. Acompanhe o raciocínio
com relação a progressividade das ordenanças de Deus, por exemplo com relação
ao sábado, que é anterior ao próprio Abraão e a nação de Israel (Gn 2.1-3); que
ao ser formada a nação de Israel, essa prática é formalizada e ampliada, com o
sentido original de guardar, para adorar o Senhor por ser Ele o Criador de
todas as coisas, e depois o sentido é ampliado, onde Ele deveria ser adorado
por ser o Criador e Libertador de Israel do Egito (Êx 20. 8-11; Dt 5. 12-15);
posteriormente a igreja (o Israel de Deus) guarda o domingo por uma razão mais
ampla ainda, a ressurreição de Cristo (Mt 28. 1; Mc 16.1; Lc 24.1; Jo 20.1). Da
mesma forma existe uma ampliação da ordem de contribuição na Escritura, que o
próximo ponto abordará.
3.
A Igreja no
Novo Testamento e o Dízimo
O
raciocínio é o mesmo que tenho utilizado desde o início, o dizimo para a igreja
no Novo Testamento é ampliado em seu sentido, porque a revelação é progressiva
e a igreja é o agente do Reino de Deus em lugar da nação de Israel. A igreja é
o Israel de Deus (Rm 11.26). Assim como, a circuncisão assume elemento novo, a
água, pela sua ampliação revelatório, substituído pelo batismo; o sábado é
substituído pelo domingo, por causa da ressureição de Cristo; os elementos da
Páscoa são substituídos pelo pão e pelo cálice; porque tudo é sombra do que
haveria de vir (Cl 2. 16-17), da mesma forma o dizimo é tratado pelos apóstolos
como uma demonstração sincera de generosidade, muito mais amplo do que tinha o
dizimo no Antigo Testamento.
Darei
alguns exemplos que revelam que a contribuição financeira na igreja primitiva
era algo que enfatizava generosidade e combate a avareza no coração. Antes,
tenho que deixar claro que tudo na igreja primitiva é tratado como oferta, como
doar a si mesmo, porque não tem mais templo, para ser levantado oferta para
construção, existe ministério apostólico, órfãos e viúvas, evangelismo,
beneficência. Contribuir é um ato de generosidade Cristã (Atos 4. 32,34,35,
36-37; At 6. 1-7; Rm 12.6-8), demonstram que é melhor dar do que receber! A
contribuição cristã é fruto não de uma obrigação, ou de trocar por bênçãos,
fazer negócio, pagar algum benefício de Deus, mas de gratidão, de generosidade,
de despreendimento do material em prol do outro, em favor do reino, em benefício
da causa de Cristo (Rm 12. 3-8)!
Outro
aspecto que permanece na contribuição no Novo Testamento é o uso dela para
sustento pastoral (1 Tm 5.17): Devem ser
considerados merecedores de dobrados honorários os presbíteros que presidem
bem, com especialidade os que se afadigam na palavra e no ensino. É uma
obrigação da igreja sustentar quem vive integralmente para instruir o povo, que
se afadiga na Palavra. Em seguida Paulo argumenta (verso 18): Pois a Escritura declara: Não amordaces o
boi, quando pisa o trigo. E ainda: O trabalhador é digno do seu salário.
Paulo esta interpretando o Antigo Testamento, no período de Israel, para
legitimar o sustento pastoral (Dt 25.4 )! Quando Paulo defende seu direito de
ser sustentado pela igreja entre outros direitos, afirma para a igreja de
Corinto (1Co 9.7-9): Quem jamais vai à
guerra a sua própria custa? Quem planta a vinha e não come do seu fruto? Ou
quem apascenta um rebanho e não se
alimenta do leite do rebanho? Porventura, falo isto como homem ou não diz
também a lei? Porque na lei de Moisés está escrito: Não atarás a boca ao boi,
quando pisa o trigo. Acaso, é com bois que Deus se preocupa? No verso 11
afirma: Se nós vos semeamos as cousas
espirituais será muito recolhermos de vós bens materiais? Ao escrever para
os Gálatas disse (6.6): Mas aquele que
está sendo instruído na palavra faça participante de todas as cousas boas
aquele que o instrui. Ao receber oferta da igreja de Filipos diz que mais
de uma vez eles enviaram donativos para o sustento dele (Fl 4. 16). Pastor é
sustentado pela igreja para o serviço pastoral, não é sustentado para ficar
rico, mas para viver dignamente! Assim, como os levitas eram sustentados para
servir ao povo de Israel na instrução bíblica e sacerdócio, os ministros fiéis
são sustentados pela igreja para a instruir na Palavra e pastorear conforme o
pastoreio do Supremo Pastor, não como dominadores, ou por ganância, mas de boa
vontade (1Pe 5. 1-4)!
A
contribuição também deve ser usada para atender os necessitados da igreja. Paulo
escreve para a igreja de Corinto dizendo para recolher ofertas para atender as
igrejas da Judeia que passavam por necessidades, e utiliza o exemplo dos irmãos
da Macedônia que ofertaram a si mesmos por essa causa (2 Co 8. 1-6; 9. 6-15;);
Tiago diz que a atitude de omissão material para aquele irmão que carece do
sustento é fé sem obras, portanto morta (Tg 2. 14-16); Paulo instrui Timóteo
avaliar as que são realmente viúvas na igreja e as que não tinham nenhum filho
para sustenta-las, para essas desprovidas de sustento e de filhos para ajudar,
a igreja deve contribuir (1Tm 5. 3-4). Logo, aprendemos que os crentes devem contribuir
para os necessitados materialmente da família da fé, e que sejam atendidos,
dentro das condições da igreja (Gl 6.10). É o mesmo sentido que tinha o dizimo
no Antigo Testamento, ajudar órfãos e viúvas, ou seja, os necessitados!
Considerações Finais
A Bíblia
nos alerta quanto aos falso pastores que agem como ovelhas, mas internamente
são lobos roubadores (Mt 7.15-23), e que fazem do povo comércio, introduzindo
heresias destruidoras (2Pe 2. 1-3). O que temos presenciado em nossos dias é
justamente essa realidade que Cristo e os apóstolos nos alertaram! Contudo, o
juízo para estes falsos pastores está guardado!
Não podemos
usar essa realidade triste no meio evangélico para condenar uma prática bíblica
ou para colocar todos os pastores no mesmo nível. Na época dos apóstolos, já existiam
falsos apóstolos, que levavam o povo de Deus a condenar os verdadeiros (2Co 11.13-15).
O mesmo tem acontecido no século presente, por isso é importante que você possa
discernir o certo do errado. Como fazer isso? Jesus afirmou que pelos seus
frutos o conhecereis (Mt 7. 15-23)! Avalie o ministério com a Escritura e não
com a cultura ou experiência religiosa que você teve ou tem.
A
contribuição no Novo Testamento é mais ampla em seus propósitos e com maiores
motivos para gratidão a Deus, pois vivemos nos últimos dias, Cristo já veio e
em breve voltará para restaurar completamente seu povo! Logo, dizimar não é
trocar por bênção, mas é um ato externo de reconhecimento que Ele é o Criador,
Sustentador, Libertador e Redentor do seu povo! É um ato de amor, gratidão e
generosidade cristã!
Pense sobre
isso, não permita que pastores fraudulentos enganem você com promessas
mentirosas de prosperidade! Mas também não permita que frustrados religiosos
enganem dizendo que não deve contribuir com a expansão e edificação da igreja,
que inclui naturalmente o dizimo e ofertas. Logo, entregar 10% do nossos
sustento no Novo Testamento é a proporção mínima de uma atitude desprendida
materialmente e generosa! Menos que isso não é generosidade, é mesquinhez,
então, é melhor não entregar nada! Concluo com bom exemplo de um industrial
crente e generoso, chamado R. G. Le Torneau, que afirmou: A questão não é
quanto de meu dinheiro devo dar ao Senhor, mas: quanto do dinheiro do Senhor
devo guardar para mim?[4]
Reverendo
Márcio Willian Chaveiro
[1] http://pt.wikipedia.org/wiki/Melquisedeque
[2]
Dr. Van Groningen comenta a instituição da circuncisão (GRONINGEN, Revelação
Messiânica, 1995, Campinas, p. 127): “...o rito da circuncisão teria de ser
adotado como um sinal ou selo de tudo o que Deus disse que Ele era para Abraão
e seria para a sua semente (Gn 17. 10-14). A palavra de Deus seria confirmada
pelo derramamento de sangue e purificação do órgão de geração da vida.
Particularmente, a prática do rito, falaria da continuação da palavra de Deus
às gerações vindouras e por meio delas, isto é, através da semente. Em Gn 3.15
foi registrado que haveria um derramamento de sangue por meio do esmagamento e
por parte da semente da mulher; de maneira semelhante, um futuro seguro e por
parte da promessa não poderia ser considerado sem derramamento de sangue.” O
que podemos concluir desse argumento no sentido progressivo da revelação é que
a circuncisão apontava para a purificação por meio do sangue, por causa de
Gênesis 3.15 que posteriormente foi ampliado, e o Novo Testamento testemunha o
cumprimento na cruz. Após a morte, ressurreição e ascensão de Cristo, o
Espírito Santo foi derramado, a era messiânica e do Espírito foi inaugurado, e
a agora o batismo assume o lugar da circuncisão, mas não muda o sentido básico
de purificação e participação na aliança, contudo, o sentido é ampliado, não
alterado.
[3]
Propositalmente Moisés utiliza o nome YHWH por ser o nome usado em contexto de
pacto (Gn 28.13): וְהִנֵּ֙ה יְהוָ֜ה
[4] http://en.wikipedia.org/wiki/R._G._LeTourneau
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