Cada
século tem suas próprias características de acordo com as transformações da
realidade. Saímos de uma cultura focada
na razão humana como sedo a solução para todos os males sociais e culturais,
que é o iluminismo. Essa expectativa ilusória do iluminismo, foi completamente
frustrada pelas guerras mundiais no início do século XIX. O que direcionou a
humanidade a buscar outra fonte de esperança e paz, voltando-se para uma paz interna, subjetiva, livre de padrões, de
absolutos, de totalitarismos! Surge, então, a pós modernidade! A cultura do
coração, do subjetivo e da experiência relativizada!
O
filosofo e escritor francês Jean Paul Sartre[1]
defendia que o “homem está condenado a
liberdade!” Ele queria dizer com isso que temos que nos libertar por
completo das influencias que recebemos da sociedade,
da cultura, da religião,... ou seja, desconstruir tudo e construir uma
cosmovisão a partir da nossa própria percepção das coisas, por isso ele
afirmava que o homem está condenado a liberdade. Esse espirito de desconstruir tudo e reconstruir sob
outras bases é a essência da cultura pós moderna. O Dr. Carson ao escrever o
livro “A Intolerância da Tolerância”
afirma que a expressão tolerância mudou o seu sentido identificador. Antes cria
que ser tolerante era aceitar a existência de opiniões contrárias, mas manter
firme a sua convicção, ainda que a maioria pensasse diferente, você teria sua
opinião e toleraria a dos outros. Agora, a tolerância mudou o seu sentido
básico, ela é a tolerância para diferentes perspectivas da vida, ou seja, a
minha opinião pode ser a certa, a sua também, e a do outro. Dr. Carson conclui
dizendo: ...saltamos da permissão da
articulação de crenças e todos os argumentos são igualmente válidos. Assim
passamos da antiga para a nova tolerância.[2]
Com respeito a pós modernidade,
que caracteriza o nossa época, Dr. Hermisten Maia faz um excelente
esclarecimento:
Hoje, não temos mais
referências, o homem já não é o centro de todas as coisas, pois já não há mais
centro. Estamos “perdidos no espaço”. Sem absolutos, não sabemos ao certo o
valor do homem e o seu papel no universo. Sem princípios universais, não
existem absolutos; sem estes, tudo é possível.[3]
Francis A. Schaeffer sabiamente
fez uma previsão com relação a igreja no século 21 ao dizer:
A igreja tem futuro em nossa geração? (...) Creio que corre
perigo. Está prestes a passar por maus bocados. Enfrentamos pressões presentes
e uma manipulação presente e futura que se tornará tão intensa nos dias por vir
a ponto de fazer as batalhas dos últimos 40 anos parecerem brincadeira de
criança.[4]
A
Igreja Conservadora vive nesse tempo pós moderno, um tempo sem eixo, sem rumo,
sem direção certa, onde todos navegam em suas emoções e paixões. Tempo de
libertinagem sexual, moral, de extinção
progressiva da honra e dignidade. Como ser uma igreja fiel a Escritura em
um tempo como o nosso? Como crescer com saúde e não inchar com o método
pragmático fruto do século XXI? Até que ponto a falta de crescimento expressa
com realidade as falhas da igreja? Seria somente essa área a ser melhorada? O ensino
em nossos púlpitos tem respondido as indagações pós modernas? Os conservadores
sabem, na sua maioria, o que é ser conservador ou reformado? A igreja tem
refletido as virtudes do Reino de Deus? Tem sido um agente fiel deste Reino?
Os Desafios de 1940 não são os
Desafios do Século XXI
Nossos
pais foram valentes na defesa da fé reformada, enfrentaram o seu tempo com
ousadia, firmeza e não se dobraram as tentações intelectuais do liberalismo
clássico. Somos gratos ao Senhor por ter levantado homens fiéis como estes
fundadores da IPCB! Não podemos deixar reconhecer aqueles que continuaram a
batalha pela fé nesses 75 anos de existência, que igualmente não se dobraram as
transformações culturais e religiosas! Contudo, devemos fazer uma leitura
adequada do nosso tempo e continuando no mesmo alicerce que nossos pais, que é
a Escritura e Cristo, enfrentarmos os novos desafios que estão diante de nós!
Nossa
luta atual não é contra o liberalismo clássico que tanto influenciou a igreja
desde o final do século XIX e grande parte do século XX! Hoje não existem
liberais “ortodoxos”[5],
mas sim neo liberais que se disfarçam de reformados, de pentecostais, de neo pentecostais,
de acordo com o que é conveniente, ou seja, são liberais pós modernos! A igreja
evangélica não tem mais identidade cristã, mas sim pagã. No século passado a
igreja pentecostal entrava em conflito com nossas convicções reformadas devido
aos dons espirituais e práticas litúrgicas bem “acaloradas”! Porém, esses
irmãos pentecostais na sua maior parte eram sinceros, queriam realmente viver
intimidade com Deus, os seus erros ocorriam devido a fraca teologia defendida.
No entanto, hoje, respeitamos as igrejas pentecostais tradicionais como Assembleia
de Deus, que pertencem a ministérios sérios, porque esses irmãos também não
concordam com o inimigo comum a nós, e da sã doutrina “a Teologia da Prosperidade e o Misticismo Desenfreado e pagão”! Sabemos
que a igreja evangélica, na sua maior parte, tem feito de tudo para manipular
as massas, pastores que roubam descaradamente suas ovelhas, inventam campanhas
para esfolar os fiéis. A música evangélica antes utilizada para glorificar a
Deus nos cultos, é agora um grande meio de lucro e fama! Na realidade não
sabemos em que nível de “apostasia” a igreja evangélica vai se afundar nos próximos
anos, porque o inimaginável para nossos pais em 1940, hoje é uma realidade
prática na igreja no Brasil!
Como
enfrentar essas mudanças na igreja e no mundo sem perder a identidade e também não
se fossilizar? Ser ortodoxo e ser relevante para o nosso tempo, é sem dúvida um
grande desafio! O Dr. Martin Lloyd-Jones corretamente alertou no final do
século passado sobre as mudanças na igreja e o declínio na pregação como fator
determinante nesse processo:
...o fato da
igreja afastar-se da pregação é o responsável, em grande medida, pelo estado da
sociedade moderna. A igreja tem procurado pregar a moralidade e a ética sem ter
o Evangelho como alicerce; tem pregado a moralidade sem piedade; mas isso
simplesmente não funciona. Nunca funcionou, e jamais funcionará. E o resultado disso
é que a Igreja, havendo abandona sua verdadeira tarefa, tem abandonado a
humanidade mais ou menos entregue aos seus próprios recursos.[6]
A
responsabilidade de influenciar com o Evangelho a sociedade e a cultura é da
igreja, por meio dos pregadores fiéis. A degeneração moral e ética que temos
visto é em grande parte devido a nossa incapacidade e falta de ousadia para
impactar! Tratando mais diretamente da nossa denominação, não adianta bater no
peito e dizer que é conservador, como um fariseu, e na prática do cotidiano,
não viver o que tanto exige dos outros! Existe em muitos uma incoerência entre
a confissão e a prática, isso quando a confissão é correta! A verdade é que
existem muitos conservadores, dentre eles líderes, que não sabem nem o que
tanto afirmam com convicção! Não compreendeu que a Teologia Reformada não é um
sistema teológico simplesmente, mas uma herança de vida e piedade dos
reformados! O Reverendo João Alves já havia alertado sobre essa ignorância teológica
entre muitos líderes conservadores em 1999: ...Poucos são os nossos oficiais que conhecem os elementos
básicos de nossa Fé Reformada, consubstanciada na Confissão de Fé de
Westminster. Falamos muito em doutrina, mas conhecemos pouco...[7]
Essa triste realidade é muito mais agravante em nossos dias,
infelizmente!
Outro
aspecto que é critico na IPCB é o desconhecimento da piedade reformada. Muitos
desconhecem declarações de Calvino como esta: Eu
ofereço a Ti meu coração, ó Senhor, pronta e sinceramente.[8]
Ou como do reformado Joel Beeke: ...a mais profunda preocupação do homem
piedoso é o próprio Deus e as coisas de Deus – a Palavra de Deus, a autoridade
de Deus, o evangelho de Deus, a verdade de Deus. Ele aspira conhecer mais de
Deus e a comunicar-se mais com Ele.[9]
Muitos não saberiam definir piedade
ou talvez não concordariam na prática achando exagero e utópico, da definição
que João Calvino fez: Pela fé, os
piedosos vivem pelo que encontram em Cristo, e não pelo que encontram em si
mesmos.[10]
Não trata-se apenas de estudo teológico, boa preparação da mensagem, mas
isto e vida de piedade! A paixão em pregar o Evangelho deve incendiar nosso
coração, a começar do púlpito!
A Pregação para uma Cultura Pós
moderna
A
pregação sempre deverá ser central na igreja, não importando os projetos
pragmáticos, a mensagem é central em qualquer época.[11]
Alguns conservadores vivem na esperança de um projeto revolucionário que
livrará a IPCB de todos os seus problemas de crescimento e aplicação teológica!
Isso é sonho de “tolo”! A igreja precisa fortalecer seus púlpitos! Como? Por
meio do estudo esmerado e afadigado da Escritura (2 Tm 5.17)! Com um pastoreio
que progressivamente reflita o pastoreio de Cristo na prática! Com oficiais
mais envolvidos com teologia e não com “administração de igreja”, porque igreja
não é empresa, embora tenha aspectos administrativos, nela tudo gira em torno
de glorificar a Deus e edificar os santos! Nenhum projeto tem algum valor se não
for aprovado pela Escritura! A igreja não é avaliada por números ou lucros, mas
se o corpo está bem ajustado com o cabeça, Cristo (Ef 4.11-16)!
Não
precisamos mudar os marcos irremovíveis da Escritura para alcançar os nossos contemporâneos
pós modernos! Podemos repensar algumas posturas ou tratos que não são bíblicos,
e nem regra para a igreja reformada. Existem aspectos flexíveis e aspectos inflexíveis
na prática da igreja, somente a luz da Escritura é possível discernir. Um
aspecto positivo, ao meu ver, causado pela cultura pós moderna é confrontar uma
“certa” idolatria pela denominação que muitos defenderam achando que estavam
com isso defendendo o Evangelho! Não podemos idolatrar placa de igreja, Deus
condenou o povo de Israel por idolatrar o templo em Jerusalém, e não entender a
essência do significado dele, que o símbolo da presença de Deus no meio do seu
povo, que apontava para uma presença eterna e plena na consumação (Ap 21. 3,
22-27)! Quando caminhamos nessa direção de extrema valorização de uma
denominação, perdemos características essências do Reino de Deus! Temos que
antes de ser conservadores, precisamos viver como cidadãos do Reino! Vivendo
como cidadãos do Reino de Cristo, seremos excelentes conservadores e não o
contrário!
Considerações Finais
Eu
louvo ao Senhor de todo o meu coração por ter me alcançado pela graça, na Igreja
Presbiteriana Conservadora! Nunca fiz parte de outra igreja, amo a história, a
firmeza dessa amada denominação! Sou grato ao Senhor por ter me chamado também
para o ministério na conservadora e ter o privilégio de contribuir um pouco com
esse ramo legitimo da Igreja de Cristo!
Todavia,
não deve ter em nosso coração idolatria pela “bandeira” conservadora! Devemos
defender os ideais de 1940 porque estão de acordo com as Escrituras e não
porque é a bandeira conservadora, como se fossemos torcedores fanáticos de um
time de futebol! Temos que lutar para que a igreja se alinhe cada vez mais com
o Reino e não com o que achamos! Tradição deve permanecer se estiver em
conformidade com a vontade revelada de Deus e não porque aprendi assim e tem
que ser assim até o fim! Na medida que vivermos individualmente como cidadãos
do Reino, a nossa igreja será progressivamente mais santa e glorificará o
Senhor Jesus!
A
liderança conservadora, em grande parte, precisa reavaliar suas práticas. Essa
reavaliação não é a partir da pós modernidade, com seus projetos e planos infalíveis
para crescimento da igreja! Mas reavaliar a luz da Bíblia, do padrão de Deus
para a igreja! A crise que temos vivido na igreja começa nos púlpitos e se
espalha para os bancos! Faça o teste, olhe as igrejas conservadoras que estão
mais bem estruturadas, saudáveis, e bem instruídas teologicamente, e veja se
não existe algo em comum, que é um púlpito forte, profundo biblicamente e cheio
de paixão! Veja a vida dos membros destas igrejas e avalie se a maioria não tem
buscado viver a essência do Evangelho de Cristo! Você não verá projetos infalíveis,
métodos mágicos, que só causam inchaço e engano, porém, verá crentes fortes,
robustos, porque preferem não se contaminar com as iguarias desse mundo pragmático
(Dn 1.8)!
Que
o Senhor nos ajude a enfrentar os desafios do século XXI com ousadia e firmeza
na Palavra, como nosso pais tiveram para os desafios de seu tempo! Termino
com a declaração de João Calvino:
Fomos eleitos por Deus na eternidade para
que o adoremos. No culto, a igreja vivencia o propósito de sua eleição: o fim
principal do homem é glorificar a Deus. A igreja é a comunidade de adoradores
que se congrega para testemunhar publicamente os atos graciosos de Deus.[12]
Em
Cristo
Reverendo
Márcio Willian Chaveiro
[1]
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jean-Paul_Sartre
[2]
CARSON, Donald A. Carson, A Intolerância
da tolerância, Cultura Cristã, 2013,p.
13
[3] MAIA, passim. p. 200
[4]
SCHAEFFER,
Francis A. Schaeffer, A Igreja no Século 21 -
Cultura Cristã, 2010
[5] Faço
aqui uma ironia, para mostrar que os liberais clássicos poderiam ser
considerados “ortodoxos” em relação aos covardes neo liberais, porque os
primeiros eram sinceros em suas convicções e crises! O que não ocorre com os últimos,
que não sabem nem o que são!
[6] JONES,
Martin Lloyd-Jones, Pregação e Pregadores, FIEL, 1991, p. 25
[7]
Artigo escrito pelo Reverendo João Alves dos Santos sobre a divisão
da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil e o surgimento da IPCB - Publicado em O Presbiteriano Conservador nas
edições de Julho/Agosto, Setembro/Outubro e Novembro/Dezembro de 1999 e
Janeiro/Fevereiro e Março/Abril de 2000)
[8] BEEKE, 2014, p. 27
[9]
BEEKE, Joel Beeke, Espiritualidade Reformada, FIEL, 2014, p. 26
[10]
Cf. BEEKE, Joel Beeke, Espiritualidade Reformada, FIEL, 2014, p.31
[11] JONES, Martin Lloyd-Jones,
1991, p. 26
[12]
COSTA, Hermisten Maia Pereira da Costa – João Calvino 500 anos – Editora
Cultura Cristã, 2009, p.285
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