quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

OS DESAFIOS DE 1940 NÃO SÃO OS MESMOS DO SÉCULO XXI PARA A IGREJA PRESBITERIANA CONSERVADORA!



Cada século tem suas próprias características de acordo com as transformações da realidade.  Saímos de uma cultura focada na razão humana como sedo a solução para todos os males sociais e culturais, que é o iluminismo. Essa expectativa ilusória do iluminismo, foi completamente frustrada pelas guerras mundiais no início do século XIX. O que direcionou a humanidade a buscar outra fonte de esperança e paz, voltando-se para uma paz interna, subjetiva, livre de padrões, de absolutos, de totalitarismos! Surge, então, a pós modernidade! A cultura do coração, do subjetivo e da experiência relativizada! 
O filosofo e escritor francês Jean Paul Sartre[1] defendia que o “homem está condenado a liberdade!” Ele queria dizer com isso que temos que nos libertar por completo das influencias que recebemos da sociedade, da cultura, da religião,... ou seja, desconstruir tudo e construir uma cosmovisão a partir da nossa própria percepção das coisas, por isso ele afirmava que o homem está condenado a liberdade. Esse espirito de desconstruir tudo e reconstruir sob outras bases é a essência da cultura pós moderna. O Dr. Carson ao escrever o livro “A Intolerância da Tolerância” afirma que a expressão tolerância mudou o seu sentido identificador. Antes cria que ser tolerante era aceitar a existência de opiniões contrárias, mas manter firme a sua convicção, ainda que a maioria pensasse diferente, você teria sua opinião e toleraria a dos outros. Agora, a tolerância mudou o seu sentido básico, ela é a tolerância para diferentes perspectivas da vida, ou seja, a minha opinião pode ser a certa, a sua também, e a do outro. Dr. Carson conclui dizendo: ...saltamos da permissão da articulação de crenças e todos os argumentos são igualmente válidos. Assim passamos da antiga para a nova tolerância.[2]
Com respeito a pós modernidade, que caracteriza o nossa época, Dr. Hermisten Maia faz um excelente esclarecimento:
Hoje, não temos mais referências, o homem já não é o centro de todas as coisas, pois já não há mais centro. Estamos “perdidos no espaço”. Sem absolutos, não sabemos ao certo o valor do homem e o seu papel no universo. Sem princípios universais, não existem absolutos; sem estes, tudo é possível.[3]
Francis A. Schaeffer sabiamente fez uma previsão com relação a igreja no século 21 ao dizer:
A igreja tem futuro em nossa geração? (...) Creio que corre perigo. Está prestes a passar por maus bocados. Enfrentamos pressões presentes e uma manipulação presente e futura que se tornará tão intensa nos dias por vir a ponto de fazer as batalhas dos últimos 40 anos parecerem brincadeira de criança.[4]
A Igreja Conservadora vive nesse tempo pós moderno, um tempo sem eixo, sem rumo, sem direção certa, onde todos navegam em suas emoções e paixões. Tempo de libertinagem sexual, moral, de extinção progressiva da honra e dignidade. Como ser uma igreja fiel a Escritura em um tempo como o nosso? Como crescer com saúde e não inchar com o método pragmático fruto do século XXI? Até que ponto a falta de crescimento expressa com realidade as falhas da igreja? Seria somente essa área a ser melhorada? O ensino em nossos púlpitos tem respondido as indagações pós modernas? Os conservadores sabem, na sua maioria, o que é ser conservador ou reformado? A igreja tem refletido as virtudes do Reino de Deus? Tem sido um agente fiel deste Reino?
Os Desafios de 1940 não são os Desafios do Século XXI
Nossos pais foram valentes na defesa da fé reformada, enfrentaram o seu tempo com ousadia, firmeza e não se dobraram as tentações intelectuais do liberalismo clássico. Somos gratos ao Senhor por ter levantado homens fiéis como estes fundadores da IPCB! Não podemos deixar reconhecer aqueles que continuaram a batalha pela fé nesses 75 anos de existência, que igualmente não se dobraram as transformações culturais e religiosas! Contudo, devemos fazer uma leitura adequada do nosso tempo e continuando no mesmo alicerce que nossos pais, que é a Escritura e Cristo, enfrentarmos os novos desafios que estão diante de nós!
Nossa luta atual não é contra o liberalismo clássico que tanto influenciou a igreja desde o final do século XIX e grande parte do século XX! Hoje não existem liberais “ortodoxos”[5], mas sim neo liberais que se disfarçam de reformados, de pentecostais, de neo pentecostais, de acordo com o que é conveniente, ou seja, são liberais pós modernos! A igreja evangélica não tem mais identidade cristã, mas sim pagã. No século passado a igreja pentecostal entrava em conflito com nossas convicções reformadas devido aos dons espirituais e práticas litúrgicas bem “acaloradas”! Porém, esses irmãos pentecostais na sua maior parte eram sinceros, queriam realmente viver intimidade com Deus, os seus erros ocorriam devido a fraca teologia defendida. No entanto, hoje, respeitamos as igrejas pentecostais tradicionais como Assembleia de Deus, que pertencem a ministérios sérios, porque esses irmãos também não concordam com o inimigo comum a nós, e da sã doutrina “a Teologia da Prosperidade e o Misticismo Desenfreado e pagão”! Sabemos que a igreja evangélica, na sua maior parte, tem feito de tudo para manipular as massas, pastores que roubam descaradamente suas ovelhas, inventam campanhas para esfolar os fiéis. A música evangélica antes utilizada para glorificar a Deus nos cultos, é agora um grande meio de lucro e fama! Na realidade não sabemos em que nível de “apostasia” a igreja evangélica vai se afundar nos próximos anos, porque o inimaginável para nossos pais em 1940, hoje é uma realidade prática na igreja no Brasil!
Como enfrentar essas mudanças na igreja e no mundo sem perder a identidade e também não se fossilizar? Ser ortodoxo e ser relevante para o nosso tempo, é sem dúvida um grande desafio! O Dr. Martin Lloyd-Jones corretamente alertou no final do século passado sobre as mudanças na igreja e o declínio na pregação como fator determinante nesse processo:
...o fato da igreja afastar-se da pregação é o responsável, em grande medida, pelo estado da sociedade moderna. A igreja tem procurado pregar a moralidade e a ética sem ter o Evangelho como alicerce; tem pregado a moralidade sem piedade; mas isso simplesmente não funciona. Nunca funcionou, e jamais funcionará. E o resultado disso é que a Igreja, havendo abandona sua verdadeira tarefa, tem abandonado a humanidade mais ou menos entregue aos seus próprios recursos.[6]
A responsabilidade de influenciar com o Evangelho a sociedade e a cultura é da igreja, por meio dos pregadores fiéis. A degeneração moral e ética que temos visto é em grande parte devido a nossa incapacidade e falta de ousadia para impactar! Tratando mais diretamente da nossa denominação, não adianta bater no peito e dizer que é conservador, como um fariseu, e na prática do cotidiano, não viver o que tanto exige dos outros! Existe em muitos uma incoerência entre a confissão e a prática, isso quando a confissão é correta! A verdade é que existem muitos conservadores, dentre eles líderes, que não sabem nem o que tanto afirmam com convicção! Não compreendeu que a Teologia Reformada não é um sistema teológico simplesmente, mas uma herança de vida e piedade dos reformados! O Reverendo João Alves já havia alertado sobre essa ignorância teológica entre muitos líderes conservadores em 1999: ...Poucos são os nossos oficiais que conhecem os elementos básicos de nossa Fé Reformada, consubstanciada na Confissão de Fé de Westminster. Falamos muito em doutrina, mas conhecemos pouco...[7] Essa triste realidade é muito mais agravante em nossos dias, infelizmente!
Outro aspecto que é critico na IPCB é o desconhecimento da piedade reformada. Muitos desconhecem declarações de Calvino como esta:  Eu ofereço a Ti meu coração, ó Senhor, pronta e sinceramente.[8]  Ou como do reformado Joel Beeke: ...a mais profunda preocupação do homem piedoso é o próprio Deus e as coisas de Deus – a Palavra de Deus, a autoridade de Deus, o evangelho de Deus, a verdade de Deus. Ele aspira conhecer mais de Deus e a comunicar-se mais com Ele.[9]  Muitos não saberiam definir piedade ou talvez não concordariam na prática achando exagero e utópico, da definição que João Calvino fez: Pela fé, os piedosos vivem pelo que encontram em Cristo, e não pelo que encontram em si mesmos.[10] Não trata-se apenas de estudo teológico, boa preparação da mensagem, mas isto e vida de piedade! A paixão em pregar o Evangelho deve incendiar nosso coração, a começar do púlpito!
A Pregação para uma Cultura Pós moderna
A pregação sempre deverá ser central na igreja, não importando os projetos pragmáticos, a mensagem é central em qualquer época.[11] Alguns conservadores vivem na esperança de um projeto revolucionário que livrará a IPCB de todos os seus problemas de crescimento e aplicação teológica! Isso é sonho de “tolo”! A igreja precisa fortalecer seus púlpitos! Como? Por meio do estudo esmerado e afadigado da Escritura (2 Tm 5.17)! Com um pastoreio que progressivamente reflita o pastoreio de Cristo na prática! Com oficiais mais envolvidos com teologia e não com “administração de igreja”, porque igreja não é empresa, embora tenha aspectos administrativos, nela tudo gira em torno de glorificar a Deus e edificar os santos! Nenhum projeto tem algum valor se não for aprovado pela Escritura! A igreja não é avaliada por números ou lucros, mas se o corpo está bem ajustado com o cabeça, Cristo (Ef 4.11-16)!
Não precisamos mudar os marcos irremovíveis da Escritura para alcançar os nossos contemporâneos pós modernos! Podemos repensar algumas posturas ou tratos que não são bíblicos, e nem regra para a igreja reformada. Existem aspectos flexíveis e aspectos inflexíveis na prática da igreja, somente a luz da Escritura é possível discernir. Um aspecto positivo, ao meu ver, causado pela cultura pós moderna é confrontar uma “certa” idolatria pela denominação que muitos defenderam achando que estavam com isso defendendo o Evangelho! Não podemos idolatrar placa de igreja, Deus condenou o povo de Israel por idolatrar o templo em Jerusalém, e não entender a essência do significado dele, que o símbolo da presença de Deus no meio do seu povo, que apontava para uma presença eterna e plena na consumação (Ap 21. 3, 22-27)! Quando caminhamos nessa direção de extrema valorização de uma denominação, perdemos características essências do Reino de Deus! Temos que antes de ser conservadores, precisamos viver como cidadãos do Reino! Vivendo como cidadãos do Reino de Cristo, seremos excelentes conservadores e não o contrário!
Considerações Finais
Eu louvo ao Senhor de todo o meu coração por ter me alcançado pela graça, na Igreja Presbiteriana Conservadora! Nunca fiz parte de outra igreja, amo a história, a firmeza dessa amada denominação! Sou grato ao Senhor por ter me chamado também para o ministério na conservadora e ter o privilégio de contribuir um pouco com esse ramo legitimo da Igreja de Cristo!
Todavia, não deve ter em nosso coração idolatria pela “bandeira” conservadora! Devemos defender os ideais de 1940 porque estão de acordo com as Escrituras e não porque é a bandeira conservadora, como se fossemos torcedores fanáticos de um time de futebol! Temos que lutar para que a igreja se alinhe cada vez mais com o Reino e não com o que achamos! Tradição deve permanecer se estiver em conformidade com a vontade revelada de Deus e não porque aprendi assim e tem que ser assim até o fim! Na medida que vivermos individualmente como cidadãos do Reino, a nossa igreja será progressivamente mais santa e glorificará o Senhor Jesus!
A liderança conservadora, em grande parte, precisa reavaliar suas práticas. Essa reavaliação não é a partir da pós modernidade, com seus projetos e planos infalíveis para crescimento da igreja! Mas reavaliar a luz da Bíblia, do padrão de Deus para a igreja! A crise que temos vivido na igreja começa nos púlpitos e se espalha para os bancos! Faça o teste, olhe as igrejas conservadoras que estão mais bem estruturadas, saudáveis, e bem instruídas teologicamente, e veja se não existe algo em comum, que é um púlpito forte, profundo biblicamente e cheio de paixão! Veja a vida dos membros destas igrejas e avalie se a maioria não tem buscado viver a essência do Evangelho de Cristo! Você não verá projetos infalíveis, métodos mágicos, que só causam inchaço e engano, porém, verá crentes fortes, robustos, porque preferem não se contaminar com as iguarias desse mundo pragmático (Dn 1.8)!
Que o Senhor nos ajude a enfrentar os desafios do século XXI com ousadia e firmeza na Palavra, como nosso pais tiveram para os desafios de seu tempo! Termino com a declaração de João Calvino:
Fomos eleitos por Deus na eternidade para que o adoremos. No culto, a igreja vivencia o propósito de sua eleição: o fim principal do homem é glorificar a Deus. A igreja é a comunidade de adoradores que se congrega para testemunhar publicamente os atos graciosos de Deus.[12]
Em Cristo
Reverendo Márcio Willian Chaveiro






[1] http://pt.wikipedia.org/wiki/Jean-Paul_Sartre
[2] CARSON, Donald A.  Carson, A Intolerância da tolerância,  Cultura Cristã, 2013,p. 13
[3] MAIA, passim.  p. 200
[4] SCHAEFFER, Francis A. Schaeffer, A Igreja no Século 21 -  Cultura Cristã, 2010
[5] Faço aqui uma ironia, para mostrar que os liberais clássicos poderiam ser considerados “ortodoxos” em relação aos covardes neo liberais, porque os primeiros eram sinceros em suas convicções e crises! O que não ocorre com os últimos, que não sabem nem o que são!
[6] JONES, Martin Lloyd-Jones, Pregação e Pregadores, FIEL, 1991, p. 25
[7] Artigo escrito pelo Reverendo João Alves dos Santos sobre a divisão da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil e o surgimento da IPCB - Publicado em O Presbiteriano Conservador nas edições de Julho/Agosto, Setembro/Outubro e Novembro/Dezembro de 1999 e Janeiro/Fevereiro e Março/Abril de 2000)
[8] BEEKE, 2014, p. 27
[9] BEEKE, Joel Beeke, Espiritualidade Reformada, FIEL, 2014, p. 26
[10] Cf. BEEKE, Joel Beeke, Espiritualidade Reformada, FIEL, 2014,  p.31
[11] JONES, Martin Lloyd-Jones, 1991, p. 26
[12] COSTA, Hermisten Maia Pereira da Costa – João Calvino 500 anos – Editora Cultura Cristã,  2009, p.285

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