terça-feira, 20 de maio de 2014

Deus é um ser Pessoal ou uma Energia Cósmica?



Podemos conhecer a Deus de forma real e verdadeira, porque sua revelação, que é a Escritura é real e verdadeira. Mas nunca poderemos compreende-lo, pela simples razão de sermos criaturas finitas e Ele um Deus infinito! Agostinho citado por Bavinck afirmou: “Estamos falando de Deus. Há alguma surpresa se você não compreender? Pois, se você compreender, não é Deus que você compreende. ”[1]
É possível  chegar a conclusão através da lógica que Deus existe, a partir de uma observação sincera da criação, embora a criação não prove sua existência, apenas apresente evidências. Obviamente essa conclusão logica não é suficiente para conhecer a Deus real e verdadeiramente.  Filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles chegaram a conclusão que o Logos (Deus) existia, uma força cósmica impessoal criador do Mundo.  Na busca das causas das coisas, filósofos gregos passaram do conhecimento mítico para o conhecimento filosófico e o cientifico. Na primeira fase tudo era explicado como sendo místico, causas não naturais, dominado pela crença nos deuses gregos. No segundo momento, a busca das causas estava no material e não em deuses. A partir desse momento começa a ter uma busca de uma causa única, como por exemplo, Thales de Mileto que defendia que a água era a matéria única que formava todas as coisas e outros que entendiam ser o ar, o infinito, a combinação de água, terra, fogo e ar, ou ainda os átomos.[2] No período socrático e pós-socrático defendia que o “logos”, considerado como razão, seria a causa última de todas as coisas. Essa força cósmica seria impessoal, causadora de tudo que existe, um princípio cósmico de ordem e beleza.[3] Aristóteles por exemplo acreditava que existia uma causa primária de tudo, um motor imovido.[4]
No século III d. C. o filósofo Plotino (205-269) desenvolveu o pensamento que veio a ser conhecido como o neo-platonismo, de que existe um Ser último causador de tudo que existe, e que pode ser conhecido apenas através de uma experiência mística profunda e interior.[5]  
 O máximo que a razão humana pode concluir é que Deus existe de forma impessoal, como uma força cósmica causadora de tudo que existe. Mas podemos questionar esse pensamento filosofístico: como uma força cósmica impessoal pode causar seres pessoais e inteligentes? Deus não é uma força cósmica, é um Ser Pessoal! O fato de Deus ser espírito envolve também a sua pessoalidade, porque um espírito é um ser inteligente e moral, e quando atribuímos pessoalidade a Deus, queremos dizer exatamente que Ele é um ser racional. A pessoalidade de Deus é claramente indicada, contudo, nos sinais da ação inteligente e propositada do mundo, na natureza racional, moral e religiosa do homem, sendo que tudo isto somente pode ser o produto de um Deus pessoal; e acima de tudo, tendo como base absoluta a revelação especial, registrada de forma inspirada nas descrições de Deus na Escritura.
            O mundo e o próprio homem revelam que Deus é um ser pessoal. Como? Somente um ser racional poderia criar um universo com leis, ordem! Somente um ser racional, que sendo racional é pessoal, poderia criar o homem, que é o único ser racional em toda a criação. Contudo, a mente humana tenta negar essas evidências por causa dos efeitos da Queda. Os homens ímpios têm suas mentes embrutecidas, obscurecidas no entendimento, por causada ignorância que vive, pela dureza do coração (Ef 4. 18).
            Além da própria criação testemunhar que Deus existe e é um ser pessoal (Rm 1.20), a Escritura é o registro inspirado da revelação de Deus ao homem, onde Ele se revela de forma pessoal e clara. Os filósofos se perguntam como podem conhecer as coisas de forma segura se elas estão em constante transformação?[6] Observe que a existência sem a Escritura é como a palha que o vento dispersa (Sl 1.4), todavia, aqueles que tem suas mentes iluminadas e renovadas pelo Espírito Santo de Deus (Ef 4.20-24) podem firmar suas existências no porto seguro, que é a Escritura, algo imutável que interpreta o mundo em constante transformação!
            A Escritura não é a única forma permanente de revelar Deus como um ser pessoal, existe outra forma que é a revelação pessoal de Deus mais alta e elevada no Novo Testamento, Jesus Cristo! Ele revela o Pai de maneira tão perfeita que podia dizer a Filipe: "Quem me vê a mim vê o Pai" (Jo. 14:9). Como afirmou Paulo sobre onde devemos fundamentar a nossa vida (Cl 2. 8-9): “Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo; porquanto, nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade. ” O autor aos Hebreus na mesma direção disse (Hb 1. 1-3): “Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as cousas, pelo qual também fez o universo. Ele, que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser, sustentando todas as cousas pela palavra do seu poder, depois de ter feito a purificação dos pecados, assentou-se à direita da Majestade, nas alturas.”
            É importante salientar mais uma vez que embora Deus se revela por meio da criação, da Escritura e principalmente por meio de Cristo, devemos lembrar que somos humanos e ele é Deus, logo nunca poderemos compreende-lo, mas conhece-lo real e verdadeiramente por meio da revelação que faz de si mesmo na Escritura. Não há nome que expresse plenamente seu ser, nenhuma definição que o abarque. Ele transcende infinitamente a imagem que fazemos dele, as ideias que temos sobre ele e a linguagem que usamos para nos referir a ele. Ele não é comparável a nenhuma criatura.[7] Como o profeta Isaías escreveu a revelação de Deus sobre si mesmo (40.25): “A quem, pois, me comparareis para que eu lhe seja igual? – diz o Santo.”
            Deus em sua essência ou natureza é único, indivisível. Mas sua natureza é tão extraordinária e maravilhosa, que permite subsistir[8] nela três pessoas distintas! É um mistério, porque não existe nada criado que possa ilustrar essa realidade no ser de Deus. Como bem expressou Dr. Heber Carlos de Campos: “A sua natureza permite que Deus exista tripessoalmente, sem que isso afete a sua unidade, embora não possamos explicar esse fenômeno, pelo fato de ele ultrapassar o nosso entendimento. ”[9] 

Reverendo Márcio Willian Chaveiro



[1] BAVINCK, Herman Bavinck, Dogmática Reformada, Deus e a Criação – Cultura Cristã, 2012, p.49
[2] PEREIRA, Reinaldo Sampaio Pereira, Temas de História da Filosofia 1: Antiga e Medieval, apostila não publicada do curso de Pós-graduação em Ensino da Filosofia da Universidade Claretiano, , p.16
[3] http://pt.wikipedia.org/wiki/Logos
[4] http://www.netmundi.org/pensamentos/2012/08/aristoteles-e-o-motor-imovel/
[5] BROWN, Colin Brown, FILOSOFIA E FÈ CRISTÃ, Vida Nova, 1983, p.15
[6] PEREIRA, passim p.21
[7] BAVINCK, p.48
[8] O termo “subsistência” tem o sentido teológico de “pessoa”, conforme Dr. Heber afirma citando o teólogo Bavinck (Ser de Deus p. 125).
[9] CAMPOS, passim p.125

segunda-feira, 5 de maio de 2014

O ATÉISMO COMO NOVA ROUPAGEM!


Richard Dawkins
O Neo Ateísmo é um movimento intelectual que tem usado os meios acadêmicos e mídias para divulgar a incredulidade na mente das pessoas com relação a existência de Deus.  Após o 11 de setembro de 2001, com a derrubada das torres gêmeas em Nova York, esse movimento tem tomado força no mundo todo. Como o atentado terrorista foi movido por religiosos extremistas do islã, os ateus tem atribuído todo tipo de desgraça ao cristianismo, a religião e a crença na existência de Deus. Um dos “novos ateus” mais proeminentes na atualidade é Richard Dawkins, com o seu mais recente livro: Deus – um delírio. Ele argumenta no início dessa obra que o mundo seria muito melhor sem o cristianismo:
Imagine, junto com John Lennon, um mundo sem religião. Imagine o mundo sem ataques suicidas, sem o 11/9, sem o 7/7 londrino, sem as Cruzadas, sem caça às bruxas, sem a Conspiração da Pólvora, sem a partição da índia, sem as guerras entre israelenses e palestinos, sem massacres sérvios/croatas/muçulmanos, sem a perseguição de judeus como "assassinos de Cristo", sem os "problemas" da Irlanda do Norte, sem "assassinatos em nome da honra", sem evangélicos televisivos de terno brilhante e cabelo bufante tirando dinheiro dos ingênuos ("Deus quer que você doe até doer"). Imagine o mundo sem o Talibã para explodir estátuas antigas, sem decapitações públicas de blasfemos, sem o açoite da pele feminina pelo crime de ter se mostrado em um centímetro. Aliás, meu colega Desmond Morris me informa que a magnífica canção de John Lennon às vezes é executada nos Estados Unidos com a frase "and no religion too" expurgada. Uma versão chegou à afronta de trocá-la por "and one religion too".[1]

Além do campo aberto causado pela derrubada das torres e outros terrorismo em nome da religião em várias partes do mundo, temos o escândalo no meio evangélico causado por um número cada vez maior de pastores da Teologia da Prosperidade, que tem escandalizado as pessoas e as afastado do Evangelho prometendo riqueza instantânea! Os curandeiros evangélicos fazem parte desse processo de incredulidade mundial. Algumas pessoas já tiveram pessoas queridas próximas mortas por irresponsabilidade desses pregadores que prometem cura quando não existe promessa de Deus, impedindo que os doentes sejam tratados adequadamente por médicos capacitados e usem as medicações próprias. Somado a tudo isso, a Igreja Católica Romana tem sido constantemente denunciada por pedofilia praticada por muitos padres e bispos, o que contribui ainda mais para o descrédito da religião e da existência de Deus.
Albert Mohler Jr. Em seu livro “Ateísmo Remix” conta um episódio vivido por ele que exemplifica bem o que pensa esse movimento neoateísta:
Há vários a que anos, assisti a uma palestra em que fui cativado por um pensamento que nunca me abandonou. O palestrante era o Dr. Heiko Obermann, o grande e agora falecido historiador do final da Idade Média e do início da Reforma. No meio da palestra, ele contemplou o seu auditório, parou, pensou e disse, numa paráfrase minha: “Posso ver que vocês não entendem o que lhes estou dizendo. O que estou lhes dizendo é que vocês não vivem como Martinho Lutero viveu. Não se levantam pela manhã como ele o fazia. Precisam entender algo a respeito das mudanças nas situações de crença. Vocês não entendem que no tempo de Martinho Lutero quase todas as pessoas na civilização europeia acordavam temerosas de que morreriam antes do cair da noite? O destino eterno era um pensamento ventilado a cada dia, a cada hora, a cada minuto. Todas as noites, quando uma pessoa que vivia no final da Idade Média ou no início da Reforma fechava os seus olhos, ela temia acordar no céu ou no inferno. Vocês não vivem com esse temor. E isso significa que seu entendimento dessas coisas é bem diferente do entendimento de Martinho Lutero. Essa é a razão por que ele jogava frascos de tinta de escrever no Diabo, e você fecha seu notebook e dorme bem a noite.[2]

O número de livros vendidos de novos ateístas é cada vez maior. O citado  Richard Dawkins, escreveu anteriormente o livro  “Relojoeiro Cego”, onde critica o argumento deísta do relojoeiro para a existência de Deus, ele nega completamente a existência de um Criador, rejeitando o argumento cosmológico da complexidade dos organismos.[3] O campo é frutífero para essas ideias que se propõe serem novas, mas não são. Qualquer livro escrito que critique a existência de Deus é vendido aos milhares. O desejo de viver sem a crença na existência de Deus sempre fez parte da natureza humana. Não se trata de ciência, busca pela verdade ou algo parecido, trata-se de um desejo da natureza humana de ser igual a Deus, que começou no Jardim no Éden com a sugestão de Satanás (Gn 3. 5): “Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal.” Esse argumento continua sendo usado por Satanás para os homens, que os olhos serão abertos para a verdade, conhecerão o que é certo e o que é errado. Os neoateistas defendem exatamente isso, que os cristãos se escondem por trás de um Deus criado segundo suas imaginações, porque tem preguiça intelectual para desenvolverem o raciocínio livremente e alcançar a verdade! Deus é uma desculpa para a incompetência intelectual, argumenta eles! Na realidade o ateísmo é uma forma de idolatria disfarçada de intelectualismo e ausência de religião. Como? Os ateus atribuem tudo que existe a matéria, considerando-a como eterna e causadora de tudo que existe, consideram que suas mentes brilhantes são capazes de alcançar a razão de tudo, a partir de observações cientificas. Contudo, tanto a matéria quanto suas mentes são divinizadas, idolatradas! Mas eles negariam isso com certeza!
Os ateus acreditam que tudo que existe é fruto da física, da matéria, como Richard Dawkins cita a definição feita por Jullian Baggini sobre o que é um ateu naturalista: "O que a maioria dos ateus acredita é que, embora só haja um tipo de matéria no universo, e é a matéria física, dessa matéria nascem a mente, a beleza, as emoções, os valores morais — em suma, a gama completa de fenômenos que enriquecem a vida humana".[4] Dawkins continua argumentando em relação a perspectiva dele como ateu:
Os pensamentos e as emoções humanas emergem de interconexões incrivelmente complexas de entidades físicas dentro do cérebro. Um ateu, nesse sentido filosófico de naturalista, é alguém que acredita que não há nada além do mundo natural e físico, nenhuma inteligência sobrenatural vagando por trás do universo observável, que não existe uma alma que sobrevive ao corpo e que não existem milagres — exceto no sentido de fenômenos naturais que não compreendemos ainda. Se houver alguma coisa que pareça estar além do mundo natural, conforme o entendemos hoje, esperamos no fim ser capazes de entendê-la e adotá-la dentro da natureza. Assim como acontece sempre que desvendamos um arco-íris, ela não será menos maravilhosa por causa disso.[5]
Os ateus caem em incoerências em suas argumentações. O Richard Dawkis ao falar que Einstein não era religioso, que não acreditava em um Deus pessoal, afirma que que Einstein e ele são de alguma forma religiosos:
Deixe-me resumir a religião einsteiniana em mais uma citação do próprio Einstein: "Ter a sensação de que por trás de tudo que pode ser vivido há alguma coisa que nossa mente não consegue captar, e cujas belezas e sublimidade só nos atingem indiretamente, na forma de um débil reflexo, isso é religiosidade. Nesse sentido, sou religioso". Nesse sentido também sou religioso, com a ressalva de que "não consegue captar" não necessariamente significa "para sempre incaptável". Mas prefiro não me autodenominar religioso, porque isso induz ao erro. Induz ao erro de forma destrutiva, porque, para a imensa maioria das pessoas, "religião" implica "sobrenatural".[6]
Essa coisa que a mente não consegue captar agora, que não significa ser incaptável, é o que todo cristão verdadeiro defende. Um dia captaremos tudo plenamente quando o Senhor Jesus voltar e restaurar toda a criação. O que Dawkins ainda não “captou” é o que o Salmo 19. 1 afirma: “Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia as obras de suas mãos.” É incaptável para ele porque sua mente é impedida pela dureza do seu coração de captar o obvio!
 O desejo de sepultar Deus existencialmente para que tenham total liberdade com relação sua navegação existencial em mar aberto sempre fez parte da natureza humana. O Salmo 2 afirma que as gentes se unem para romper seus laços com Deus e com seu ungido, que é Cristo (Salmo 2. 1-2): “Porque se enfurecem os gentios e os povos imaginam cousas vãs? Os reis da terra se levantam, e os príncipes conspiram contra o SENHOR e contra o seu Ungido, dizendo: Rompamos os seus laços e sacudamos de nós as suas algemas.” Eles se sentem presos, amarrados a ideia da existência de Deus, porque? Se Deus existe realmente, sendo ele uma pessoa eterna, poderosa, Criador de tudo que existe, eu sou criatura, sou limitado, e provavelmente prestarei conta a ele um dia! Isso um ateu jamais deseja, ele prefere acreditar “pela fé” que Deus não existe, que a matéria, algo inanimado, seja eterno e que tudo que existe ao nosso redor é fruto de um processo cego, por acaso, e sem proposito definido! Mas para esses que querem romper os laços existenciais com Deus, o Salmista Davi diz que (verso 3): “Ri-se aquele que habita nos céus; o Senhor zomba deles.”
 O Salmo 14.1, afirma: “Diz o insensato no seu coração: Não há Deus. Corrompem-se e praticam abominação; já não há quem faça o bem.” Davi, o autor deste Salmo, usa o termo hebraico    נָבָ֣ל (Nabal)  para o substantivo “insensato” para expressar como é louco aquele que afirma em seu coração que Deus não existe. O substantivo “Nabal” é o mesmo que tolo, imoral, corrupto em seu próprio viver, que segue as práticas de Baal, como se fosse seu filho.  Literalmente Nabal significa tolo, insensato intelectualmente e moralmente.[7] O ateísmo é uma ação natural de um tolo e insensato. Podemos ver esse substantivo sendo citado por Abigail a Davi, com relação ao seu esposo que se chamava “Nabal” e a explicação dela para o significado do nome (1 Sm 25.25): “Não se importe o meu senhor com este homem de Belial, a saber, com Nabal; porque o que significa o seu nome ele é. Nabal é o seu nome, e a loucura está com ele;...”  Esse Salmo 14 é citado por Paulo em Romanos 3. 10-12 para mostrar as consequências da Queda sobre o homem e como este vive de acordo com sua natureza caída. Adoram a criação, o próprio homem, ao invés do Criador, dizendo sábios tornaram-se loucos em seus próprios raciocínios (Rm 1. 21-22).
O teólogo de Genebra, Calvino, comenta o Salmo 14.1:
Visto que a palavra נָבָ֣ל , nabal, significa não só néscio, mas também pessoa perversa, vil e desprezível, não teria sido improprio tê-la traduzido assim neste lugar; não obstante, sinto-me satisfeito em seguir a interpretação mais geralmente aceita, ou seja, que todas as pessoas profanas, que tem lançado de si todo o temor de Deus e se tem entregue à iniquidade, são persuadidas de loucura...Comumente vemos que aqueles que, na avaliação tanto de si mesmos quanto de terceiros, excedem muitíssimo em sagacidade e inteligência, empregam sua astucia em armar redes e usam a engenhosidade de suas mentes em desprezar e motejar de Deus. Portanto, é importante que em primeiro lugar saibamos que, por mais que o mundo aplauda esses indivíduos ladinos e zombadores, os quais se permitem entregar-se a toda extensão de perversidade, não obstante o Espírito Santo os condena como sendo insanos; pois não há estupidez mais brutal do que conscientemente ignorar a Deus.[8]
A imoralidade, quase que via de regra ligada ao ateísmo, porque? O temor do Senhor é o princípio da sabedoria de vida, e o tolo, insensato, néscio, “nabal”, carece dela[9]. Porque Deus é a base moral de qualquer pessoa ou sociedade. Ainda que existam distorções sobre quem Deus é realmente, a religião causa temor nas pessoas e as leva seguir padrões morais, que julgam serem estabelecidas por Deus. O ateísta não tem padrão externo, ele tem padrão interno, este é o seu próprio coração corrompido pelo pecado, pela rebeldia a Deus. Como bem colocou Paulo com relação aos ímpios em Efésios 4. 17-19: “...andam os gentios, na vaidade dos seus próprios pensamentos, obscurecidos de entendimento, alheios à vida de Deus por causa da ignorância em que vivem, pela natureza do seu coração, os quais, tendo-se tornando insensíveis, se entregaram à dissolução para, com avidez, cometerem toda a sorte de impureza.” O texto não se aplica apenas aos ateus, mas a todo ímpio, contudo, é a realidade espiritual e mental do ateu também. Não quero dizer que todo o ateu é imoral necessariamente, contudo, todo ateu é “livre” de padrões e absolutos morais, o que permite navegar no mar dos prazeres pecaminosas!
Voltando a crítica feita pelo professor Dr. Heiko Obermann, citado no início, posso dizer que certamente os contemporâneos de Martinho Lutero foram influenciados pela crença Medieval, viviam com medo, com incertezas, produzidos pelos séculos de distorção da Palavra pela Igreja Católica. Contudo, Martinho Lutero quis romper com tudo isso, conhecia por dentro a teologia medieval, e com seus escritos quis tirar do coração do povo essas crendices. Existe como não sermos influenciados pelo tempo que vivemos? O próprio neoateismo não seria fruto de uma geração pós-moderna, que foca o sentimento humano e suas respectivas experiências como sendo normativas para a vida, que nega tudo que é padrão, fixo? Não estaria cometendo o mesmo erro dos contemporâneos de Martinho Lutero, os neoateístas? Se o primeiro vivia com temor de ir para o inferno como fruto de um pensamento distorcido de juízo de Deus[10]. Os últimos, vivem para si, para o momento, para o transitório, para o material, para o prazer pessoal, para o próprio ego, como fruto do pensamento pós-moderno. Qual a diferença? A única diferença é a fonte influenciadora. Na primeira é a Idade Média, que pretensamente Deus era o centro. Na segunda, é a pós-modernidade que tem o homem como centro.
Não é uma questão de intelecto acreditar na existência de Deus como a Escritura testemunha, é uma questão nascer de novo para ver o Reino de Deus (Jo 3. 3). Não depende de quem quer ou de quem corre, mas de Deus usar de misericórdia e transformar a alma, revelando-se aquele que é cego, embrutecido em seu próprio entendimento, morto em delitos e pecados (Rm 9.16; Ef 2. 1-3; Ef 4.18). Se dependesse do intelecto do homem puro e simplesmente, não teria honra alguma em Deus, a glória seria do homem, não teria graça, mas esforço intelectual, e somente os mais intelectuais do mundo seriam capazes de entender o Evangelho e seriam salvos! Todavia, a Palavra da cruz continua sendo loucura para os que se perdem, mas para os que são salvos é poder de Deus (1 Co 1.18)!
Sem Deus não existe esperança. Para onde iremos? Qual a nossa missão existencial? A nossa existência se baseia apenas nessa vida? Quando vem a luta, o sofrimento, a proximidade da morte, como reagiria um ateu? Como alguém disse: “Nas trincheiras das guerras não existem ateus!” Lembro-me de um professor de Antigo Testamento contar que certa vez, um ateu ironizava com sua mãe cristã, que se esforçava em provar pra ele a existência de Deus. Ele dizia: “Mãe creia no homem, o homem inventou tantas coisas maravilhosas, que contribuem para o bem de todos!” Passado algum tempo, esse mesmo ateu ficou doente e próximo de sua morte, na angustia de se aproximar do fim, sua mãe disse a ele: “Creia no homem, meu filho!” Ele então, respondeu: “Como poderei crer no homem, se o homem está morrendo?!”
Viver como se Deus não existisse, dizendo para o nosso coração que crer em Deus é uma tolice, é viver no caminho da loucura, da tolice, da insensatez absoluta! Não existe sentido na vida sem Deus, tudo é vaidade e correr atrás do vento (Ec 1.12-18).
O que esse neoateismo tem a ver com esse ponto da teologia? Se Deus não existe, não tem teologia, não tem conhecimento de Deus, e nossa fé é vã! O apologeta Willian Lane Craig cita C. S. Lewis com relação a existência de Deus: “...que a existência de Deus é muito mais que uma questão meramente interessante. Afinal, se Deus não existe, não há nenhuma razão para nos interessarmos por ele. Mas se ele existe, nosso maior objetivo de vida é nos relacionarmos com este ser do qual depende nossa existência.”[11]
É interessante como os ateístas vivem em conflito em seus corações endurecidos pelo pecado! Eles alegam não crer em Deus, mas refutam aqueles que creem de uma forma tão irônica, principalmente nas universidades, ao saberem que ali tem um cristão. O próprio Richard Dawkins se revela tão preocupado com a existência de Deus em sua vida acadêmica. Se sua preocupação é cientifica, porque se preocupar em provar que algo abstrato não existe? Faça ciência pela ciência, e não em função de provar que Deus não existe! Ele mesmo seu livro afirma que: “é quase provável que Deus não existe!” Porque não ousa dizer com absoluta certeza que Deus não existe? Existe algum temor ao dizer isso? Tem alguma dúvida cientifica que Deus exista? Na minha perspectiva essa atitude é evidencia de conflitos de alma, de luta interna para negar para si mesmo a existência de Deus. Porque se realmente acreditassem que Deus não existe, que é um mito ou lenda criado pela religião, porque ficariam tão preocupados com os que acreditam? Os que acreditam em via de regra pregam a tolerância e a paciência para com os ateus, o que não atrapalharia em nada a vida deles. Mas quando os ateus sobem ao poder, como aconteceu na ex União Soviética e acontece na Coreia do Norte, agem com tremenda brutalidade contra os cristãos. Porque isso acontece? Porque não suportam o grito de suas consciências que dia e noite diz pra eles que Deus existe; a proclamação da criação diante de seus olhos pregando diariamente a existência do Criador; e o testemunho daqueles que creem na existência de um Deus todo-poderoso, sábio e justo!
Para os Reformados Deus existe e pode ser conhecido. A Escritura é o registro inspirado da revelação de Deus para o homem. Então seguem os pressupostos da teologia reformada: 1- Deus existe; 2 – Deus se revelou; 3 – Deus pode ser conhecido.
Reverendo Márcio Willian Chaveiro





[1] DAWKIS, Richard, Deus um delírio, Editora Companhia das Letras, pp.18-19
[2] JUNIOR, Albert Mohler Jr., Ateísmo Remix, Editora FIEL, 2009, pp.19-20
[3] http://pt.wikipedia.org/wiki/Richard_Dawkins
[4] DAWKINS, Richard, p.28
[5] Idem, p.28
[6] Passim, pp.34-35
[7] TURNER, George A. Turner, Dicionário Bíblico Wycliffe, Editora CPAD, 2006, p.1324.
[8] CALVINO, João Calvino,  Livro dos Salmos, Editora FIEL, 1999, p.272
[9] HARMAN, Allan Harman, Salmos, Editora Cultura Cristã, 2011, p. 105
[10] Creio na existência do inferno, conforme a Escritura declara, mas na Idade Média a visão de inferno era influenciada pela mitologia grega, de Hades, irmão de Zeus, que nesse caso, seria o Diabo que torturaria as pessoas no submundo. Há essa visão que digo ser distorcida.
[11]http://www.reasonablefaith.org\portuguese\deus-existe

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

ESTUDAR TEOLOGIA É DEVER DE TODO CRENTE!


Não é tarefa dura lermos sobre os teólogos do passado e avaliarmos suas condutas, convicções, ousadia ou covardia diante dos desafios culturais de seu tempo. O difícil é avaliarmos a nossa conduta, a nossa coragem ou covardia em nosso tempo! De nada adiantará estudarmos Teologia se esta não for útil para nos levar a discernir a nossa época, se não nos ajudar a dar respostas as indagações existenciais da nossa alma e levar a nossa igreja a maturidade cristã! Teologia deve ser algo que nos prepara para viver e morrer!


O nosso tempo é caracterizado por uma cultura do sentimento, do prazer pessoal, do politicamente correto, que é a pós-modernidade. O próprio nome já revela incoerência, “pós-modernidade”, como algo pode ser posterior a modernidade e ser vivido no presente? Contudo, não irei entrar no mérito semântico da questão, porque pouco importa em relação às reais dificuldades que este pensamento humanista representa para a igreja do século XXI.
Em seu livro Tempos Pós-modernos, Gene apresenta uma pesquisa feita nos EUA, que revelam o sentimento e o pensamento do nosso tempo em relação a verdade absoluta:

 É difícil dar testemunho da verdade a pessoas que acreditam que a verdade é relativa (Jesus funciona pra você; os cristais funcionam para ela). É duro clamar o perdão de pecados para pessoas que acreditam que, visto a moralidade ser relativa, elas não têm pecados a serem perdoados.

Segundo uma pesquisa recente[1], 66 por cento dos americanos creem que “não existe o que se possa chamar de verdade absoluta”. Entre os jovens, a porcentagem é ainda mais alta: na faixa dos 18 aos 25 anos, 72 por cento das pessoas não acreditam que existam absolutos.[2]


Se não existe verdade absoluta, não existe Deus! E se não existe Deus, não existe padrão de certo e errado!  Existem duas alternativas: 1. Deus não existe e estamos soltos, livres para pensar e estabelecer nossos critérios, nossos padrões,: 2. Ou Deus existe, mas está totalmente ausente da sua criação e por isso não se relaciona, não governa, não estabelece absolutos a serem seguidos e obedecidos!
A ausência de absoluto deu a sociedade liberdade de sentir, pensar, projetar “livremente”, tendo um comportamento totalmente relativizado. Quando existia o iluminismo o homem navegava em mar aberto confiado no frágil barco da “razão”, seu barquinho naufragou na primeira e segunda guerra mundial. Agora o homem navega em mar aberto na “canoa” dos sentimentos, do subjetivo. Só que o homem não descobriu ainda que navegou pouquíssimo e o pouco que navegou já entrou em processo de afundar totalmente nos mares da incerteza, do relativismo, do barato e transitório existencialmente!
Os evangélicos não estão fora desse quadro. Cada vez mais a teologia torna-se relativa, pragmática, materialista, ansiosa por prazer momentâneo, e antropocêntrica, atendendo as expectativas mundanas do homem! Os evangélicos já entraram na canoa da pós modernidade há muito tempo!
A igreja do século XXI está envolvida pelos efeitos da cultura pós-moderna.  A teologia da prosperidade é a maior prova de seu materialismo e antropocentrismo, o apego ao dinheiro e tudo que ele pode proporcionar em termos materiais. É uma teologia imediatista, porque crê que Deus é obrigado a atender todas as reivindicações de forma imediata. O pragmatismo é vivido através do apego exagerado  aos  projetos, programações extraordinárias, que desprezam os meios, importando apenas com o fim em si mesmo, se deu certo é bíblico! Como devemos enfrentar nosso tempo com tantos desafios diante de nós? É necessário conhecer a Escritura e retirar dela ensinos teologicamente corretos e aplica-los a vida da igreja. Esse é o propósito da Teologia Cristã, explicar as doutrinas bíblicas e aplicar a realidade da igreja. Não tem sentido uma teologia que não seja para a vida e para nos preparar para a eternidade! Não podemos tratar  questões teológicas pelo desejo do academicismo puro e simples, porém, movidos pelo amor a Escritura e o desejo sincero de glorificar a Deus! É dessa maneira que caminharemos nessa estrada pavimenta de conhecimento eterno a nós revelados pelo Senhor em sua Palavra!
É sabido que existe uma ferrenha resistência por parte de muitos cristãos sinceros ao estudo da Teologia e o desprezo para com a história da mesma.  Entendo que esse desprezo em certo sentido é justificável historicamente. A teologia é um termo que foi criado no século II da era cristã, para diferenciar a crença cristã da crença politeísta e pagã daquele tempo. O destacado cristão, Clemente de Alexandria, contrastou os seus escritos e ensinos teológicos com a mitologia dos escritores pagãos, mostrando claramente que o termo “teologia” se referia a “asserções da verdade feitas pelos cristãos acerca de Deus”, em confronto com as histórias pagãs da mitologia grega. [3] Houve um período, em que a teologia assumiu um papel puramente acadêmico, assumindo a função de uma das matérias das principais universidades europeias. Era ensinado nas faculdades de Paris, Bolonha e Oxford, as matérias: ciências, medicina e teologia. O paganismo já era assunto resolvido, ninguém discutia mais nos séculos 12 sobre a existência de vários deuses ou de um único Deus, acreditava-se na existência de um único Deus, e Ele deveria ser o Deus dos cristãos.[4] Com essa ascensão da teologia, ela foi cada vez mais abordada academicamente e não como uma matéria pratica para a igreja. Contudo, com a reforma protestante, tanto Martinho Lutero como João Calvino entenderam a necessidade de usar a teologia de forma prática. A Academia de Genebra, fundada por João Calvino em 1559, tinha como objetivo inicial oferecer aos pastores uma educação teológica voltada para as necessidades práticas do ministério da igreja. Posteriormente, os escritores protestantes atuaram dentro das academias e voltaram a teologia para a teoria e não para a prática pastoral. Isso piorou muito com o iluminismo, que combateu o ensino teológico nas academias. O teólogo liberal Schleiermacher defendeu o uso dessa disciplina nas universidades como sendo essencial.[5] O que tudo isso mostra, é que herdamos um uso puramente teórico e acadêmico da teologia, divorciada da pratica e desafios ministeriais. Temos que unir o academicismo com a prática da igreja, teoria sem prática cristã não serve para nada, a não ser para enfeitar o pescoço dos acadêmicos tolos! A resistência atual no meio evangélico se deve basicamente por essas razões históricas apresentadas.

A história bem compreendida contribui para o bom entendimento do presente e nos prepara para o futuro. A Escritura é o fundamento seguro, a verdade absoluta, o critério com o qual usamos para interpretar tudo que nos cerca.

Embora todas as igrejas tenham uma teologia, é preciso saber se tal teologia procede das Escrituras ou de experiências humanas e cosmovisão antropocêntrica. A base teológica definirá o desenvolvimento correto ou não correto da Teologia pregada na igreja. Se a base é a Escritura e somente ela, a teologia será boa, mesmo que envolvida por uma nuvem de heresia, que sempre paira em nossas reflexões, as verdades centrais serão abordadas corretamente. Todavia, se a base da teologia for as necessidades humanas, antropocêntrica, a teologia não será teologia, mas antropologia divorciada de uma visão bíblica, mas envolvida totalmente em humanismo cético.  
 A teologia é uma expressão de fé da igreja amparada nas Escrituras, como disse o teólogo Kuyper:

A Teologia não termina em conhecimento teórico e abstrato; antes, alcança plenitude no conhecimento prático e existencial de Deus, por meio da sua revelação nas Escrituras, mediante iluminação do Espírito. Conhecer a Deus é obedecer a seus mandamentos. A Teologia não pode ser um estudo sem compromisso, feito por um transeunte acadêmico. Ela é função da igreja cristã, dentro da qual estamos inseridos. “Estudamos dogmática como membros da igreja, com a consciência que temos uma incumbência dada por ela e um serviço a lhe prestar, devido a uma compulsão que pode se originar somente no seu interior.[7]

Estudar teologia é um dever de todo crente e de toda igreja cristã. É por falta de interesse pela Palavra que a igreja tem sido facilmente atacada por heresias e abraçado paganismo e misticismo. As músicas evangélicas retratam bem a fraqueza teológica prevalecente, as campanhas ou práticas evangélicas provam o quanto a Igreja de Cristo no Brasil tem sido facilmente enganada por Satanás e seus ministros.

A igreja precisa de Teologia fundamentada nas Escrituras. Não existe como ela existir sem estudar sobre Deus, sua revelação registrada de forma inspirada nas Escrituras! Qualquer pregação que não se fundamente nos ensinos escrituristicos, é falsa teologia, é antropocentrismo e não uma visão teocêntrica e cristrocentrica!

Reverendo Márcio Willian Chaveiro

[1] Era recente em 1999, quando este livro foi publicado em nossa língua. Com certeza a porcentagem daqueles que não creem na existência da verdade absoluta aumentou nos últimos anos.
[2][2] VEITH, Gene Edward Veith, Tempos Pós-modernos, Editora Cultura Cristã, 1999, p.10
[3] MACGRATH, Alister E. Macgranth, Teologia Histórica – Uma Introdução ao Pensamento Cristão, Editora Cultura Cristã, 2007, p.15
[4] MACGRATH, p.16
[5] MACGRATH, p.17
[6] Fonte: http://www.monergismo.com/textos/teologia/teologia_precisa.htm
[7] COSTA, Hermisten Maia Pereira da Costa – João Calvino 500 anos, Editora Cultura Cristã - 2009– pp 81-82