segunda-feira, 30 de junho de 2014

A ESCRITURA PARA A TEOLOGIA REFORMADA




Para os teólogos reformados a Escritura é infalível, inerrante, autoritativa  e  única regra de fé e prática. Por 18 séculos na história da igreja prevaleceu a opinião ortodoxa da inspiração divina. Os pais da igreja sempre afirmaram isso, com raríssimas exceções de alguns hereges que se levantaram questionando alguns livros como inspirados. Para os liberais e neo-ortodoxos essa posição com relação a Escritura defendida pelos reformados é radical e xiita, contudo, a própria Escritura testemunha com relação a sua inspiração, crer nessa verdade é uma questão de fé, embora as evidencias de inspiração sejam muitas tanto internas como externas nas Escrituras. Na Escritura Deus revelou tudo o que lhe aprouve revelar para o bem dos seus filhos.
Segundo a Confissão de Fé de Westminster, capítulo 1, seção 10, estabelece o critério de avaliação da vida da igreja:
O Juiz Supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas têm de ser determinadas, e por quem serão examinados todos os decretos de concílios, todas as opiniões dos antigos escritores, todas as doutrinas de homens e opiniões particulares, o Juiz Supremo, em cuja sentença nos devemos firmar, não pode ser outro senão o Espírito Santo falando na Escritura.
    
Esse é o conceito que defendemos como o correto, conhecido como o conceito ortodoxo das Escrituras. É considerado conceito ortodoxo aquele que aceita plenamente a definição de que a Bíblia toda é inspirada por Deus, inerrante e infalível. Neste grupo podemos encontrar um grande número de representantes em diferentes denominações históricas. Em alguns casos são chamados de conservadores, fundamentalistas ou até mesmo de evangélicos somente (principalmente no contexto americano).[1]
            A Bíblia não é um compêndio de Teologia Sistemática. É a revelação que Deus apresenta do plano e da história da redenção e, como tal, é também o registro histórico do que Deus tem feito e dito para realizar esse plano. O grande teólogo holandês Kuyper afirmou:

A Teologia nunca é “arquetípica”[2], mas “éctipa”[3]. Ela não é gerada pelo esforço de nossa observação de Deus, mas o resultado da revelação soberana e pessoal de Deus. Uma “teologia arquetípica” – se é que podemos falar deste modo – pertence somente a Deus, porque só ele se conhece perfeitamente. Por isso, a Teologia sempre será o efeito da ação reveladora, inspiradora e iluminadora de Deus por intermédio do Espírito. A Teologia nunca é a causa primária; sempre é o efeito da ação de Deus revelar-se. “No princípio Deus” – isto deve ser sempre considerado em todo enfoque que dermos à realidade. Deus se revela e se interpreta por meio do Espírito; somente por meio dele poderemos ter genuíno conhecimento de Deus. A Teologia sempre é relativa: “Relativa à revelação de Deus. Esse precede e o homem acompanha.”[4]

            A Teologia sempre será serva da Escritura e não o contrário! A teologia deve ser desenvolvida a partir da revelação, se purificando, buscando fazer o que é correto, aplicar de forma adequada. A igreja deve ser edificada e levada a glorificar a Deus a partir da boa teologia. Teologia que não edifica a igreja e a leva a glorificar a Deus, não foi produzida pela revelação de Deus em sua Palavra!
            A convicção reformada sobre a Escritura é refletida nesta afirmação de Berkhof: “A Bíblia é e continuará a ser a palavra de Deus para todas as gerações sucessivas dos homens somente em virtude de que sua inspiração é divina. Toda a Escritura foi dada por inspiração de Deus. Isto a torna a regra infalível de fé e prática para a humanidade.[5]  E Loraine Boettner acrescenta:      

Nossas razões primárias por assegurar que a Bíblia é a palavra inspirada de Deus é que os escritores reivindicam esta inspiração, e que o conteúdo de sua mensagem está sustentado  nesta reivindicação. A uniformidade com que os profetas insistem que a mensagem que eles falam vem não deles próprios, mas do Senhor – que sua mensagem era a pura e genuína Voz de Deus, falada a eles exatamente como eles tinham a recebido - é um notável fenômeno da Escritura.[6]      

  Para os ortodoxos a Escritura é infalível e consequentemente inerrante:
A inerrância é o ponto de vista que, quando todos os fatos forem conhecidos, determinarão que a Bíblia, nos seus autógrafos originais e corretamente interpretada, é inteiramente verdadeira, nunca falsa, em tudo quanto afirma, quer no tocante à doutrina e ética quer no tocante às ciências sociais, físicas ou biológicas[7]     

O fato dos reformados crerem na suficiência das Escrituras, tendo-a como única regra de fé e prática, não significa que o conhecimento secular é desprezado ou que entendemos que a Bíblia fale sobre tudo. Significa que a Bíblia nos instrui a influenciar a cultura, a sociedade, para glorificar a Deus! Michael Horton esclarece:
Os reformadores insistiram que a Escritura não somente tem a última palavra, como é também o princípio formal de tudo o que cremos sobre a doutrina e conduta. Isto é, ela delineia e forma nossa fé. Não significa simplesmente desconsiderar essencialmente as definições seculares da realidade emprestadas da psicologia, do comércio, da sociologia, da política e dos setores correlatos. Antes, é mais provavelmente subverter nossas pressuposições. Nesse aspecto, os reformadores distinguiam entre “coisas celestiais” e “coisas terrenas”. No âmbito destas últimas, inclusive ciência, arte e filosofia, os descrentes podiam contribuir para o avanço do conhecimento e da experiência. Afinal, a Escritura não está interessada em dizer-nos todas as coisas sobre tudo, e o mundo de Deus está aberto à investigação de todos. Mas as realidades transcendentes do caráter de Deus, suas ordens e sua obra salvadora, não estão disponíveis ao filosofo, cientista, artista ou terapeuta. A sabedoria secular pode nos levar à verdade sobre a revolução dos planetas mas não pode explicar a natureza de Deus, o eu, a culpa e a redenção. Ela não pode nos levar à verdade acerca de como somos salvos da ira de Deus, pois recusa-se a crer que isso seja sequer uma realidade para início de conversa. “A palavra da cruz é loucura para os que se perdem”, disse o apostolo Paulo, porque ela não se amolda às perguntas – muito menos às respostas -  da sabedoria secular.[8]

Por ser a verdade de Deus para nós, reformados, a Bíblia deve ser pregada com toda a ousadia e poder do Espírito Santo. Todo pregador deve ter diante de seus olhos ao pregar, a glória de Deus:
Nossa adoração é fraca porque nossos conhecimentos de Deus são fracos, e nossos conhecimentos de Deus são fracos porque a nossa pregação é fraca. Quando, porém, a Palavra de Deus é exposta na sua plenitude e a congregação começa a ter um vislumbre da glória do Deus vivo, todos se curvam em reverente temor solene e admiração jubilosa diante do seu trono. É a pregação que realiza isso – a proclamação da Palavra de Deus no poder do Espírito de Deus. É por isso que a pregação é incomparável e insubstituível.[9]

Concluo essa parte com a declaração edificante de Strong sobre a infalibilidade das Escrituras:
...a Bíblia é infalível no sentido de que qualquer que se rende num espírito dócil aos seus ensinos não cairá no doloroso erro em matéria de fé e caridade. Melhor do que tudo, encontrará nela o segredo de uma nova, santa e abençoada vida ‘escondida com Cristo em Deus (Cl. 3.3). As Escrituras testemunham de Cristo…Através delas ele verdadeiramente e adequadamente se faz conhecido a nós.[10]   


Reverendo Márcio Willian Chaveiro




[1] MEISTER, Mauro Meister – Panorama da Teologia Bíblica, apostila não publicada – p. 04
[2] Arquétipo é algo original, modelo. A teologia modelo só Deus tem.
[3] Ectipica é o reflexo do arquétipo, do modelo, cópia do modelo. Os homens desenvolvem uma copia da teologia de Deus, muitas vezes completamente oposta a ela. Para ser uma cópia verdadeira depende da revelação, Escritura.
[4] Citado por HERMINSTEN MAIA, João Calvino 500 anos, Editora Cristã, 2009, p.81
[5] BERKHOF, Louis Berkhof, Manual de Doutrina Cristã, Ed. Ceibel, Patrocínio - MG, 1992, pp. 40-41. 
[6] Loraine Boettner, Studies in Theology, The Presbiterian And Reformed Publishing Company, Phillipsburg, New Jersey, 1985. p.15.
[7] ELWELL, Walter A.Elwell, Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, vol.II Ed. Vida Nova, São Paulo-SP, 1988, p. 180.
[8] HORTON, Michael Horton & Joel Beeke,… Sola Scriptura, Editora Cultura Cristã, 2000,  pp.13-14
[9]  STOTT, John Stott, Eu Creio na Pregação, São Paulo: Editora Vida, 2003, p. 89
[10] STRONG, Augustus Hopkins Strong, Teologia Sistemática, Vol. I, Ed. Teológica Ltda, São Paulo –SP, 2002, p. 301.

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